O design que te seduz

Por Mauro Adriano Müller

Dieter Rams disse que o bom design faz o produto durar, transcender o tempo. Ele evita “estar na moda” e, portanto, nunca será antiquado. Mas quantos designs conseguem manter a sua efetividade, o desejo e admiração das pessoas, depois de um longo tempo de convívio e existência? Segundo os designers Julie Khaslavsky e  Nathan Shedroff, o segredo para isso é a sedução.

O poder de sedução do design de alguns objetos materiais e virtuais pode transcender questões de preço e desempenho tanto para compradores quanto para usuários. Para decepção de muitos engenheiros, a aparência de um produto pode às vezes causar o sucesso ou o fracasso da reação do mercado ao produto. O que esses objetos têm em comum é a capacidade de criar um laço emocional com os públicos, quase uma necessidade para eles.

Para exemplificar a importância da sedução no design, vamos usar um dos “queridinhos” do design: o espremedor Juicy Salif, de Philippe Starck.

Espremedor Juicy Salif, de 1990. Criação de Philippe Starck para a empresa italiana Alessi.

Espremedor Juicy Salif, de 1990. Criação de Philippe Starck para a empresa italiana Alessi.

 

Os designers Khaslavsky e Shedroff fizeram uma análise do espremedor, relatando os valores do produto como objeto de sedução:

  • Atrai a atenção por ser divertido: sendo diferente dos outros objetos da cozinha pela natureza de sua aparência, forma e materiais.
  • Proporciona novidade surpreendente: não é imediatamente identificável como espremedor de frutas, e sua forma é tão incomum que chega a ser intrigante, e até surpreendente quando você reconhece o verdadeiro propósito do produto.
  • Vai além das necessidades e expectativas óbvias: para ser surpreendente e novo, ele precisa apenas ser de um tom de laranja vivo ou de madeira. Vai muito além do que se espera ou das exigências, que se torna algo inteiramente diferente.
  • Cria uma reação instintiva: logo de início, a forma cria curiosidade,  depois uma reação emocional de confusão, e talvez até medo, pela sua aparência pontuda e “perigosa”.
  • Combina valores com metas pessoais: o espremedor de Philipe Starck transforma o ato rotineiro de espremer uma laranja em uma experiência especial. Sua abordagem inovadora, simplicidade e elegância em termos de formas e desempenho criam uma valorização e o desejo de possuir não apenas o objeto, mas as qualidades que ajudaram a criá-lo – inovação, originalidade, elegância e sofisticação. Ele fala tanto a respeito da pessoa que o possui quanto sobre seu criador.
  • Promete cumprir estas metas: O Juicy Salif promete tornar extraordinária uma ação ordinária. Também promete elevar o status do dono a um nível superior de sofisticação, ao reconhecer  suas qualidades.
  • Leva o observador casual a descobrir algo mais profundo sobre a experiência de fazer suco: embora o espremedor não ensine ao usuário nada de novo sobre sucos ou fazer sucos, ele ensina a lição de que, mesmo coisas comuns do nosso dia-a-dia podem ser interessantes, e que o design pode enriquecer a vida. Além disso, Philippe Starck criou um produto que também ensina a esperar encantamento onde ele é inesperado.
  • Cumpre todas essas promessas: cada vez que é usado, recorda o usuário de sua elegância e abordagem de design. Cumpre essas promessas através de seu desempenho, recriando as emoções originalmente ligadas ao produto. Ele também serve como elemento de surpresa e foco de conversa para as pessoas ligadas ao seu dono, e é mais uma chance de adotar seus valores e tê-los validados.

20050119alessijuicy2

Donald Norman, autor do livro Design Emocional – Por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia, relata a experiência que teve com o espremedor criado por Starck:

O espremedor era realmente sedutor. Eu o vi e, imediatamente, passei pela sequencia de respostas tão adoradas por comerciantes: ‘uau, eu quero’, disse para mim mesmo. Só então perguntei: “O que é? Para que serve? Quanto custa?”, concluindo com: “Vou comprar”, o que fiz. O espremedor é de fato bizarro, mas adorável.

 

Conclusão

Mesmo que seja necessário existir a atração inicial pelo objeto, o maior segredo da sedução, quando se fala em design, é manter o relacionamento depois da explosão inicial de fascínio e entusiasmo – é aí que a maioria dos produtos falha, perdendo seus valores com o passar do tempo.

Certa vez, em um restaurante, eu tive essa visão de um espremedor de limão em forma de lula e comecei a projetá-lo… E quatro anos depois ele ficou famosíssimo. Mas para mim, é mais uma microestrutura simbólica do que um objeto funcional: seu objetivo real não é espremer milhares de limões, mas permitir a um recém-casado iniciar uma conversa com a sogra …

Phillipe Starck – entrevista para a Sunday Times Magazine

 

Referências

Mauro Adriano Müller

Mauro Adriano Müller

Gaúcho, 24 anos, estudante de Design na Universidade Feevale/RS. Acredita que o Design pode (e deve) mudar o pensamento das pessoas sobre o mundo e sobre as muitas coisas que existem nele.

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Os comentários estão encerrados.

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Dieter Rams disse que o bom design faz o produto durar, transcender o tempo. Ele evita “estar na moda” e, portanto, nunca será antiquado. Mas quantos designs conseguem manter a sua efetividade, o desejo e admiração das pessoas, depois de um longo tempo de convívio e existência? Segundo os designers Julie Khaslavsky e  Nathan Shedroff, o segredo para isso é a sedução.

O poder de sedução do design de alguns objetos materiais e virtuais pode transcender questões de preço e desempenho tanto para compradores quanto para usuários. Para decepção de muitos engenheiros, a aparência de um produto pode às vezes causar o sucesso ou o fracasso da reação do mercado ao produto. O que esses objetos têm em comum é a capacidade de criar um laço emocional com os públicos, quase uma necessidade para eles.

Para exemplificar a importância da sedução no design, vamos usar um dos “queridinhos” do design: o espremedor Juicy Salif, de Philippe Starck.

Espremedor Juicy Salif, de 1990. Criação de Philippe Starck para a empresa italiana Alessi.

Espremedor Juicy Salif, de 1990. Criação de Philippe Starck para a empresa italiana Alessi.

 

Os designers Khaslavsky e Shedroff fizeram uma análise do espremedor, relatando os valores do produto como objeto de sedução:

  • Atrai a atenção por ser divertido: sendo diferente dos outros objetos da cozinha pela natureza de sua aparência, forma e materiais.
  • Proporciona novidade surpreendente: não é imediatamente identificável como espremedor de frutas, e sua forma é tão incomum que chega a ser intrigante, e até surpreendente quando você reconhece o verdadeiro propósito do produto.
  • Vai além das necessidades e expectativas óbvias: para ser surpreendente e novo, ele precisa apenas ser de um tom de laranja vivo ou de madeira. Vai muito além do que se espera ou das exigências, que se torna algo inteiramente diferente.
  • Cria uma reação instintiva: logo de início, a forma cria curiosidade,  depois uma reação emocional de confusão, e talvez até medo, pela sua aparência pontuda e “perigosa”.
  • Combina valores com metas pessoais: o espremedor de Philipe Starck transforma o ato rotineiro de espremer uma laranja em uma experiência especial. Sua abordagem inovadora, simplicidade e elegância em termos de formas e desempenho criam uma valorização e o desejo de possuir não apenas o objeto, mas as qualidades que ajudaram a criá-lo – inovação, originalidade, elegância e sofisticação. Ele fala tanto a respeito da pessoa que o possui quanto sobre seu criador.
  • Promete cumprir estas metas: O Juicy Salif promete tornar extraordinária uma ação ordinária. Também promete elevar o status do dono a um nível superior de sofisticação, ao reconhecer  suas qualidades.
  • Leva o observador casual a descobrir algo mais profundo sobre a experiência de fazer suco: embora o espremedor não ensine ao usuário nada de novo sobre sucos ou fazer sucos, ele ensina a lição de que, mesmo coisas comuns do nosso dia-a-dia podem ser interessantes, e que o design pode enriquecer a vida. Além disso, Philippe Starck criou um produto que também ensina a esperar encantamento onde ele é inesperado.
  • Cumpre todas essas promessas: cada vez que é usado, recorda o usuário de sua elegância e abordagem de design. Cumpre essas promessas através de seu desempenho, recriando as emoções originalmente ligadas ao produto. Ele também serve como elemento de surpresa e foco de conversa para as pessoas ligadas ao seu dono, e é mais uma chance de adotar seus valores e tê-los validados.

20050119alessijuicy2

Donald Norman, autor do livro Design Emocional – Por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia, relata a experiência que teve com o espremedor criado por Starck:

O espremedor era realmente sedutor. Eu o vi e, imediatamente, passei pela sequencia de respostas tão adoradas por comerciantes: ‘uau, eu quero’, disse para mim mesmo. Só então perguntei: “O que é? Para que serve? Quanto custa?”, concluindo com: “Vou comprar”, o que fiz. O espremedor é de fato bizarro, mas adorável.

 

Conclusão

Mesmo que seja necessário existir a atração inicial pelo objeto, o maior segredo da sedução, quando se fala em design, é manter o relacionamento depois da explosão inicial de fascínio e entusiasmo – é aí que a maioria dos produtos falha, perdendo seus valores com o passar do tempo.

Certa vez, em um restaurante, eu tive essa visão de um espremedor de limão em forma de lula e comecei a projetá-lo… E quatro anos depois ele ficou famosíssimo. Mas para mim, é mais uma microestrutura simbólica do que um objeto funcional: seu objetivo real não é espremer milhares de limões, mas permitir a um recém-casado iniciar uma conversa com a sogra …

Phillipe Starck – entrevista para a Sunday Times Magazine

 

Referências

Mauro Adriano Müller

Mauro Adriano Müller

Gaúcho, 24 anos, estudante de Design na Universidade Feevale/RS. Acredita que o Design pode (e deve) mudar o pensamento das pessoas sobre o mundo e sobre as muitas coisas que existem nele.

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