Macacos e pixels

Por Dario Jofilly

Existe uma teoria matemática que, surpreendentemente, fala de macacos e de literatura. Chamado de teorema do macaco infinito, ele sugere que se colocarmos um macaco a digitar um teclado aleatoriamente por um tempo infinito, ele vai escrever uma obra do Shakespeare. Ou do Tolkien. Ou da Valeska, tanto faz.

O teclado e seu amigo macaco

O teclado e seu amigo macaco

Link da imagem: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Monkey-typing.jpg

A questão é que se o pobre coitado do macaco for digitar aleatória e infinitamente, ele vai escrever todas as possíveis combinações de teclas da máquina. Desde be or not be a beijinho no ombro passando por uma gigantesca maioria de combinações insignificantes como jskif sjsuw gggs e bbehss shmljsu.

Isso pode ser provado matematicamente e no fim do post existem alguns links sobre o assunto. O interessante é pensar como esse teorema é significativo para pensarmos as implicações da produção combinatória. Por exemplo, o xadrez é um outro sistema fechado de combinações, tal qual o teclado. Ele tem suas 32 peças, entre pretas e brancas, que seguem regras específicas para cada tipo de movimento em um tabuleiro de 64 casas. Assim, foi possível ao matemático Claude Shannon calcular em 1950 um número de possíveis partidas de xadrez. A estimativa, à época, girava em torno de 10 elevado a 120 e hoje já se revisa como 10 elevado a 123.

Dê um oi para os pixels da sua tela

Dê um oi para os pixels da sua tela

Além de textos e jogos, podemos pensar também em imagens. A tela através da qual você lê esse texto é composta por pixels, cada pixel tem uma cor diferente e, associando eles, formamos imagens. E esse é outro sistema fechado. Podemos calcular quantas cores são possíveis e quantos pixels estão contidos em um determinado formato. Logo, teremos um número de possíveis combinações de pixels para aquele formato e, portanto, de layouts.

Vamos pegar um formato bem básico, um quadrado de 16 por 16 pixels. Esse é o favicon,  o ícone que aparece para identificar sites nas abas de navegadores. É um formato bastante simples e muito usado por nós designers pois é uma das principais reduções de um logo na web. Usando processing, gerei um favicon randômico, mas deixei ele dez vezes maior para facilitar a visualização. Se quiser, pode ficar olhando pra ele até ver o ícone do Google ou da Wikipédia. Mas provavelmente vai demorar.

Pra se ter uma ideia de quão improvável é você ver esses ícones, podemos fazer um cálculo relativamente simples. Se formos trabalhar com RGB, cada pixel poderia ter 255x255x255 cores diferentes, ou 255 elevado a 3. Como cada pixel do favicon pode ter cada uma dessas cores, teremos então 255 elevado a 3x16x16 ou 255 elevado a 768. Daí pra frente eu tive que pesquisar por uma calculadora que não me desse simplesmente a resposta “infinito”. No fim, achei a Big Number Calculator que me deu o seguinte número de possíveis favicons:

 

1 670 546 517 157 086 282 347 372 957 749 871 971 295 645 401 100 954 527 622 798 321 600 282 387 911 643 043 453 691 302 853 475 919 140 727 726 982 813 947 918 754 060 946 817 856 047 206 978 288 957 755 755 987 423 220 806 657 148 074 367 286 677 007 200 943 189 466 095 876 200 888 490 819 558 562 407 304 488 342 219 773 858 390 388 644 126 549 369 235 797 236 017 842 242 019 551 699 177 852 208 605 073 902 067 171 597 334 998 388 624 499 611 582 208 333 584 204 922 167 215 729 669 259 453 258 199 165 487 467 428 132 107 435 248 124 504 740 926 436 870 551 084 601 930 783 454 166 674 565 066 142 586 008 439 747 851 522 781 152 323 346 946 420 004 365 446 059 091 919 449 090 301 156 195 685 092 451 066 609 781 979 385 318 203 789 363 280 633 535 204 907 459 156 050 764 049 886 440 434 257 485 041 218 532 413 928 237 315 200 761 803 788 919 896 940 377 696 136 849 300 722 292 050 822 620 046 093 152 802 680 206 675 708 504 243 341 243 920 671 187 533 029 924 115 168 565 007 267 219 138 183 674 299 440 178 981 918 874 575 171 858 148 972 189 423 257 635 102 147 054 730 513 643 622 947 255 193 545 070 864 015 097 487 843 562 173 104 961 278 114 878 076 580 507 009 273 316 734 347 169 651 818 369 831 312 325 555 725 426 684 575 744 545 035 783 205 728 102 471 735 312 759 934 753 028 158 348 422 976 149 042 713 608 912 596 428 782 786 300 606 792 019 736 370 187 297 654 252 108 716 634 332 664 011 670 908 774 044 149 630 527 883 114 482 264 577 540 720 761 579 306 005 019 944 704 180 245 468 756 435 686 249 624 264 643 790 371 812 778 387 242 071 094 454 274 705 917 619 103 686 100 959 080 734 781 879 988 394 213 363 873 611 725 550 972 977 248 858 924 049 366 662 893 578 304 798 915 289 334 676 347 256 135 553 243 104 603 276 656 276 583 095 762 408 561 555 262 567 406 061 102 587 379 959 812 650 735 617 446 838 753 651 258 255 884 421 330 627 530 803 095 795 242 085 464 321 824 956 333 063 149 321 254 180 151 117 878 550 802 996 394 740 371 388 083 161 873 815 657 412 013 547 066 714 440 319 491 006 258 112 625 353 181 663 688 774 822 475 114 741 257 434 762 907 697 331 795 579 855 697 255 521 786 487 690 550 971 004 128 718 767 639 419 656 343 257 372 748 773 478 086 157 549 791 861 305 232 857 072 905 000 559 115 110 508 110 394 489 933 818 156 065 378 714 859 025 757 440 674 740 981 445 474 033 145 196 068 458 464 625 369 626 710 351 328 813 919 478 387 357 703 806 116 726 585 884 180 167 340 673 506 259 918 212 890 625

 

Isso só de um quadrado de 16 por 16 pixels. Se você for calcular a quantidade de possíveis cartazes A3 em CMYK 300 dpi, nem a Big Number Calculator vai te ajudar. Salvo engano, o número será próximo de 10 elevado a 139225504, o que é, no mínimo, muita coisa.

É claro que isso tudo tem apenas uma relação teórica com os macacos, e é por isso que o cálculo e programas de computador nos permitem visualizar essas questões “na prática”. Exemplo disso é o projeto do grupo Lab[au] que criou a instalação Signal to Noise cuja ideia é materializar a experiência da geração aleatória de palavras com o uso de letras split-flap. Há também o site Pixel Monkeys cuja proposta é bem parecida com a desse texto e fala da geração de imagens. De qualquer maneira, você ainda pode ver o resultado cômico da real tentativa de deixar seis macacos com um computador em uma sala por seis meses: cinco páginas preenchidas em grande maioria com a letra S e um pouco de fezes espalhadas pelo local.

Para além de números, podemos adentrar em algo bem menos exato: a filosofia. Vilém Flusser, já bastante conhecido por nós, trata também dessa questão em “Filosofia da Caixa Preta – Ensaios para uma futura filosofia da fotografia”. Ele afirma que a máquina fotográfica, enquanto sistema fechado e programado, também tem um número finito de fotos a tirar.

“As fotografias são realizações de algumas das potencialidades inscritas no aparelho [fotográfico]. O número de potencialidades é grande, mas limitado: é a soma de todas as fotografias fotografáveis por este aparelho. (…) Já que o programa é muito “rico”, o fotógrafo se esforça por descobrir potencialidades ignoradas.”

Talvez seja interessante ressaltar que essa finitude da fotografia, citada pelo Flusser, não teria origem nesses cálculos malucos e, mesmo que tivesse, teria relação com o grão da fotografia analógica e não com os pixels e cores das telas de hoje. Mais do que isso, Flusser direciona seu ensaio para qual seria a atitude do fotógrafo diante do aparelho fotográfico e de seu programa, além da relação desse processo com a sociedade.

O grão da fotografia analógica

O grão da fotografia analógica

Link da imagem: https://www.flickr.com/photos/nishanthjois/6909236493/

Esse debate teórico é expandido por Flusser em “O Universo das Imagens Técnicas” e não se limita à fotografia, já que o conceito de aparelho de Flusser vai bem além disso e toda a questão tem um vínculo com as produções de imagens em geral. O tema também é abordado por outros autores em outros textos, mas aí a discussão já vai para outro caminho. A intenção desse post era mais assuntar com esses números grandes mesmo.

 

Referências 

Dario Jofilly

Dario Jofilly

Quase se formando em (quem diria?) Publicidade e Propaganda pelo curso de Comunicação Social da UnB, se pergunta como vai conseguir sobreviver e continuar estudando design, arte e imagem. Enquanto isso, aproveita a experiência única que é viver em Brasília.

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