Se for às ruas vá armado

Por Guto Souza

Talvez a revolução não seja televisionada; mas fotografada e compartilhada na internet, certamente sim. Diante do momento político que vive o Brasil, é importante entendermos o poder que as imagens têm. A maioria dos manifestantes que foram às ruas essa semana em todo o país portavam armas contundentes: câmeras fotográficas.

Ilustração por Marcelo Pinto Pacheco

Ilustração por Marcelo Pinto Pacheco

As fotografias e vídeos são o tipo de registro que mais se aproxima do real e, portanto, o que consideramos exprimir a verdade de um evento. É preciso lembrar, porém, que inevitavelmente esses registros transmitem as opiniões de quem os captura e de quem os veicula. Dessa maneira, as imagens nos contam apenas parte da realidade (ou contam mentiras, dependendo do ponto de vista).

Ao que me parece, a Revolta do Vinagre (como vêm sendo chamadas as manifestações que recentemente tomaram as ruas brasileiras) não teria tomado corpo se não fossem as imagens divulgadas na internet pelos participantes dos primeiros protestos. Os meios de comunicação oficiais, a princípio, criminalizaram o movimento. Mas os relatos e, principalmente, as fotografias e vídeos compartilhados nas redes sociais, levaram à população outra visão: manifestantes pacíficos, tratados com violência pela força policial. Assim, por meios digitais, milhares de pessoas tomaram conhecimento da questão, e foram impelidos a engrossar o coro dos manifestos – revoltados tanto com a atuação violenta do governo quanto com a participação omissa da grande mídia.

Protestos em São Paulo. 16/06/13. Foto por: lost.art.br

Protestos em São Paulo. 13/06/2013. Foto por lost.art.br.

A distorção da realidade através de fotografias não é nenhuma novidade, ainda mais em se tratando de conflitos. Em 1855, no que foi considerada a primeira cobertura fotográfica de guerra, Roger Fenton já mostrava que a verdade pode ser manipulada de acordo com quem a retrata. Suas fotos da Guerra da Crimeia valorizavam o exército britânico, e minimizavam os horrores das batalhas. À época o governo da Inglaterra sofria duras críticas da população, que questionava o envolvimento do país no conflito. Fenton foi financiado pela coroa para registrar imagens que camuflassem as hostilidades da guerra, amenizando a tensão entre os líderes e o povo inglês.

"O dia de trabalho dele terminou". 1855. Foto por Roger Fenton.

“O dia de trabalho dele terminou”. 1855. Foto por Roger Fenton.

Com o passar do tempo e a evolução das linguagens fotográficas, ficou clara a impossibilidade de se fazer o registro fotográfico de maneira imparcial. Cada escolha do fotógrafo dá uma diferente interpretação à imagem. Atualmente muitos fotojornalistas assumem o caráter opinativo de seus cliques. O brasileiro André Liohn, fotógrafo de guerra, por exemplo: “Eu busco um modo de fotografar que possa expressar a minha opinião”.

Misrata, Líbia. 2011. Foto por André Liohn.

Misrata, Líbia. 2011. Foto por André Liohn.

Com essa abordagem, Liohn foi o primeiro sul-americano a vencer a Medalha de Ouro Robert Capa (maior honraria do mundo dedicada à fotografia de guerra). Os grandes prêmios do fotojornalismo, por sinal, têm a tendência de condecorar imagens tomadas em conflitos. Não é por acaso: além de serem impressionantes, essas fotografias costumam fomentar importantes discussões. Exemplo é a icônica imagem vencedora do World Press Photo em 1972 e do Prêmio Pulitzer em 1973: Kim Phúc, uma garota vietnamita, fugindo nua após o bombardeio de sua vila. Essa foto chocou o planeta, e aumentou a pressão global para que os Estados Unidos abandonassem o campo de batalha.

Trang Bang, Vietnã. 1972. Foto por Nick Ut.

Trang Bang, Vietnã. 1972. Foto por Nick Ut.

Hoje, diferentemente da Guerra do Vietnã, a possibilidade do registro fotográfico não está apenas nas mãos dos profissionais. A tecnologia digital permite que o cidadão comum também emita sua opinião. Na Primavera Árabe, por exemplo, as imagens compartilhadas nas redes sociais desempenharam papel fundamental para a mobilização da população e para a divulgação internacional dos conflitos.

Os protestos de 2011 em Londres foram amplamente divulgados no Instagram.

Os protestos de 2011 em Londres foram amplamente divulgados no Instagram.

No Brasil, a internet também se mostrou essencial para os manifestos. A revolução tecnológica, que tornou acessíveis os meios eletrônicos de captura e divulgação de imagens, possibilita a todos serem ouvidos. Portanto, exerça a democracia digital: se for às ruas, vá armado – com sua câmera, é claro.

Manifestações em Curitiba. 17/06/2013. Foto por Guto Souza.

Manifestações em Curitiba. 17/06/2013. Foto por Guto Souza.

Guto Souza

Guto Souza

Guto Souza nasceu e vive em Curitiba. Publicitário por formação e fotógrafo por paixão. Clica diferentes temáticas e linguagens em busca das suas próprias. Seus textos sobre Fotografia são publicados aos sábados, quinzenalmente.

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Por Guto Souza

Talvez a revolução não seja televisionada; mas fotografada e compartilhada na internet, certamente sim. Diante do momento político que vive o Brasil, é importante entendermos o poder que as imagens têm. A maioria dos manifestantes que foram às ruas essa semana em todo o país portavam armas contundentes: câmeras fotográficas.

Ilustração por Marcelo Pinto Pacheco

Ilustração por Marcelo Pinto Pacheco

As fotografias e vídeos são o tipo de registro que mais se aproxima do real e, portanto, o que consideramos exprimir a verdade de um evento. É preciso lembrar, porém, que inevitavelmente esses registros transmitem as opiniões de quem os captura e de quem os veicula. Dessa maneira, as imagens nos contam apenas parte da realidade (ou contam mentiras, dependendo do ponto de vista).

Ao que me parece, a Revolta do Vinagre (como vêm sendo chamadas as manifestações que recentemente tomaram as ruas brasileiras) não teria tomado corpo se não fossem as imagens divulgadas na internet pelos participantes dos primeiros protestos. Os meios de comunicação oficiais, a princípio, criminalizaram o movimento. Mas os relatos e, principalmente, as fotografias e vídeos compartilhados nas redes sociais, levaram à população outra visão: manifestantes pacíficos, tratados com violência pela força policial. Assim, por meios digitais, milhares de pessoas tomaram conhecimento da questão, e foram impelidos a engrossar o coro dos manifestos – revoltados tanto com a atuação violenta do governo quanto com a participação omissa da grande mídia.

Protestos em São Paulo. 16/06/13. Foto por: lost.art.br

Protestos em São Paulo. 13/06/2013. Foto por lost.art.br.

A distorção da realidade através de fotografias não é nenhuma novidade, ainda mais em se tratando de conflitos. Em 1855, no que foi considerada a primeira cobertura fotográfica de guerra, Roger Fenton já mostrava que a verdade pode ser manipulada de acordo com quem a retrata. Suas fotos da Guerra da Crimeia valorizavam o exército britânico, e minimizavam os horrores das batalhas. À época o governo da Inglaterra sofria duras críticas da população, que questionava o envolvimento do país no conflito. Fenton foi financiado pela coroa para registrar imagens que camuflassem as hostilidades da guerra, amenizando a tensão entre os líderes e o povo inglês.

"O dia de trabalho dele terminou". 1855. Foto por Roger Fenton.

“O dia de trabalho dele terminou”. 1855. Foto por Roger Fenton.

Com o passar do tempo e a evolução das linguagens fotográficas, ficou clara a impossibilidade de se fazer o registro fotográfico de maneira imparcial. Cada escolha do fotógrafo dá uma diferente interpretação à imagem. Atualmente muitos fotojornalistas assumem o caráter opinativo de seus cliques. O brasileiro André Liohn, fotógrafo de guerra, por exemplo: “Eu busco um modo de fotografar que possa expressar a minha opinião”.

Misrata, Líbia. 2011. Foto por André Liohn.

Misrata, Líbia. 2011. Foto por André Liohn.

Com essa abordagem, Liohn foi o primeiro sul-americano a vencer a Medalha de Ouro Robert Capa (maior honraria do mundo dedicada à fotografia de guerra). Os grandes prêmios do fotojornalismo, por sinal, têm a tendência de condecorar imagens tomadas em conflitos. Não é por acaso: além de serem impressionantes, essas fotografias costumam fomentar importantes discussões. Exemplo é a icônica imagem vencedora do World Press Photo em 1972 e do Prêmio Pulitzer em 1973: Kim Phúc, uma garota vietnamita, fugindo nua após o bombardeio de sua vila. Essa foto chocou o planeta, e aumentou a pressão global para que os Estados Unidos abandonassem o campo de batalha.

Trang Bang, Vietnã. 1972. Foto por Nick Ut.

Trang Bang, Vietnã. 1972. Foto por Nick Ut.

Hoje, diferentemente da Guerra do Vietnã, a possibilidade do registro fotográfico não está apenas nas mãos dos profissionais. A tecnologia digital permite que o cidadão comum também emita sua opinião. Na Primavera Árabe, por exemplo, as imagens compartilhadas nas redes sociais desempenharam papel fundamental para a mobilização da população e para a divulgação internacional dos conflitos.

Os protestos de 2011 em Londres foram amplamente divulgados no Instagram.

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No Brasil, a internet também se mostrou essencial para os manifestos. A revolução tecnológica, que tornou acessíveis os meios eletrônicos de captura e divulgação de imagens, possibilita a todos serem ouvidos. Portanto, exerça a democracia digital: se for às ruas, vá armado – com sua câmera, é claro.

Manifestações em Curitiba. 17/06/2013. Foto por Guto Souza.

Manifestações em Curitiba. 17/06/2013. Foto por Guto Souza.

Guto Souza

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Guto Souza nasceu e vive em Curitiba. Publicitário por formação e fotógrafo por paixão. Clica diferentes temáticas e linguagens em busca das suas próprias. Seus textos sobre Fotografia são publicados aos sábados, quinzenalmente.

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