Fotografias podem mentir

Por Guto Souza

Muitas vezes as pessoas não são tão belas quanto parecem nas fotos das redes sociais – nem tão estranhas quanto sugerem os retratos 3×4. Fotografias podem mentir. “As fotos não significam a realidade tal qual é, mas sim a realidade tal como foi criada com toda a carga intencional do fotógrafo, todo o aparato técnico envolvido e até mesmo com os olhos da cultura de quem a lê” (Ana Paula da Rosa).

A fotografia é, antes de tudo, uma visão de mundo. Uma opinião que o fotógrafo expressa através de suas escolhas. Ao enquadrar, ele decide qual parte da realidade vai mostrar, e qual vai esconder para sempre dos olhos do observador. Ao clicar, impõe o exato momento, a fração de segundo que será eternizada.

“Uma imagem é o que decidimos fazer dela. É sempre inerente a algo real e alguma forma de interpretação disto, imposta, manipulada, inferida ou deixada totalmente aberta” (Scott MacLeay)

Eliminando ou adicionando assuntos ao enquadramento, o fotógrafo torna a imagem menos verossimilhante, e mais próxima ao seu olhar pessoal. Da mesma maneira, ao clicar congela um breve instante, e seleciona apenas uma fatia da realidade.

As fotos das redes sociais são bonitas porque costumam captar somente o agradável: o lado vazio e relaxante do parque, a luz do sol, o sorriso. Ainda que naquele dia o parque estivesse cheio e barulhento, o céu quase nublado e os ânimos em baixa. Assim, somos levados a acreditar na realidade da foto, e não na realidade do dia.

Indo mais além, suponhamos que as pessoas da foto só vão juntas ao parque uma vez por mês. Nos demais dias trabalham, estudam, cuidam de suas vidas – mesmo que não fotografem tudo isso. A realidade gravada, a do parque, é uma exceção. Enquanto registro da vida dessas pessoas, será ela verdadeira?

Não obstante, existem ainda as questões técnicas. A câmera distorce formas, cores, proporções, quantidades de luz; e impossibilita a fotografia de ser fiel ao real. Utilizando uma lente que deforma o rosto, e a luz artificial de um flash, é claro que a foto 3×4 vai ficar esquisita.

A fotografia, contudo, não depende somente do fotógrafo e da câmera. A imagem não é completamente definida no momento do clique. Ela ganha significado quando interpretada pelo observador. Afinal de contas, analisamos uma fotografia a partir de nossas crenças, opiniões, lembranças. E, dessa maneira, a imagem desperta sensações.

“Nós somos o que sentimos. Nós não somos o que estamos vendo. Não somos nossos olhos, somos a nossa mente. As pessoas acreditam no que veem e isto está totalmente errado” (Duane Michals, a partir de artigo de Scott MacLeay)

Por tudo isso, é possível haver registros extraordinários de cenas triviais, e vice-versa. E é possível ter boas recordações a partir de imagens descompromissadas, ou memórias ruins através de belas imagens.

Fotografias podem mentir.

 

(Nota: esse texto foi motivado pela crônica “Recordação”, de Antonio Prata, que bombou na internet essa semana. Se você ainda não leu, aproveite para clicar aqui e ler).

Guto Souza

Guto Souza

Guto Souza nasceu e vive em Curitiba. Publicitário por formação e fotógrafo por paixão. Clica diferentes temáticas e linguagens em busca das suas próprias. Seus textos sobre Fotografia são publicados aos sábados, quinzenalmente.

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Fotografias podem mentir

Por Guto Souza

Muitas vezes as pessoas não são tão belas quanto parecem nas fotos das redes sociais – nem tão estranhas quanto sugerem os retratos 3×4. Fotografias podem mentir. “As fotos não significam a realidade tal qual é, mas sim a realidade tal como foi criada com toda a carga intencional do fotógrafo, todo o aparato técnico envolvido e até mesmo com os olhos da cultura de quem a lê” (Ana Paula da Rosa).

A fotografia é, antes de tudo, uma visão de mundo. Uma opinião que o fotógrafo expressa através de suas escolhas. Ao enquadrar, ele decide qual parte da realidade vai mostrar, e qual vai esconder para sempre dos olhos do observador. Ao clicar, impõe o exato momento, a fração de segundo que será eternizada.

“Uma imagem é o que decidimos fazer dela. É sempre inerente a algo real e alguma forma de interpretação disto, imposta, manipulada, inferida ou deixada totalmente aberta” (Scott MacLeay)

Eliminando ou adicionando assuntos ao enquadramento, o fotógrafo torna a imagem menos verossimilhante, e mais próxima ao seu olhar pessoal. Da mesma maneira, ao clicar congela um breve instante, e seleciona apenas uma fatia da realidade.

As fotos das redes sociais são bonitas porque costumam captar somente o agradável: o lado vazio e relaxante do parque, a luz do sol, o sorriso. Ainda que naquele dia o parque estivesse cheio e barulhento, o céu quase nublado e os ânimos em baixa. Assim, somos levados a acreditar na realidade da foto, e não na realidade do dia.

Indo mais além, suponhamos que as pessoas da foto só vão juntas ao parque uma vez por mês. Nos demais dias trabalham, estudam, cuidam de suas vidas – mesmo que não fotografem tudo isso. A realidade gravada, a do parque, é uma exceção. Enquanto registro da vida dessas pessoas, será ela verdadeira?

Não obstante, existem ainda as questões técnicas. A câmera distorce formas, cores, proporções, quantidades de luz; e impossibilita a fotografia de ser fiel ao real. Utilizando uma lente que deforma o rosto, e a luz artificial de um flash, é claro que a foto 3×4 vai ficar esquisita.

A fotografia, contudo, não depende somente do fotógrafo e da câmera. A imagem não é completamente definida no momento do clique. Ela ganha significado quando interpretada pelo observador. Afinal de contas, analisamos uma fotografia a partir de nossas crenças, opiniões, lembranças. E, dessa maneira, a imagem desperta sensações.

“Nós somos o que sentimos. Nós não somos o que estamos vendo. Não somos nossos olhos, somos a nossa mente. As pessoas acreditam no que veem e isto está totalmente errado” (Duane Michals, a partir de artigo de Scott MacLeay)

Por tudo isso, é possível haver registros extraordinários de cenas triviais, e vice-versa. E é possível ter boas recordações a partir de imagens descompromissadas, ou memórias ruins através de belas imagens.

Fotografias podem mentir.

 

(Nota: esse texto foi motivado pela crônica “Recordação”, de Antonio Prata, que bombou na internet essa semana. Se você ainda não leu, aproveite para clicar aqui e ler).

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Guto Souza nasceu e vive em Curitiba. Publicitário por formação e fotógrafo por paixão. Clica diferentes temáticas e linguagens em busca das suas próprias. Seus textos sobre Fotografia são publicados aos sábados, quinzenalmente.

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