Moda com identidade nacional? III

Por Amanda Prado

Definir o nacional foi uma luta ideológica que atravessou diversos momentos históricos, notadamente, os anos 20 com o Movimento Modernista, com a antropofagia e também a década de 30 com a obra representativa de Gilberto Freyre que inverte o sentido de mestiçagem atribuindo-lhe positividade, além do papel de Carmen Miranda nas décadas de 1930 até 1950, bem como em meados do fim da década de 1960, no movimento da Tropicália.

Porém, mesmo com essa dificuldade em se definir a nação brasileira em diferentes momentos históricos, hoje, na sociedade do consumo parece ser ainda mais complexo. O mais complicado em apontar uma identidade para a moda brasileira, no sentido de produto que venda tanto em território nacional quanto no exterior é manter uma coerência sobre o que são os brasileiros e o seu país, e o que sempre foi vendido como made in Brazil.

Katy Perry novamente “vestindo o Brasil”, dessa vez para a coleção Melissa Amazonista (verão 2011), inspirada em variados temas e estilos da Amazônia, um verdadeiro “luxo ecológico” que exala brasilidade! E você, já viu uma arara fora do zoológico?

Os ideais e os valores sociais nacionais, incluindo questões que provêm da lógica do capital e da lógica propriamente política, se modificaram ao longo dos tempos, porém o Brasil continua a ser visto e vendido como uma terra tropical paradisíaca de florestas intactas. Nós brasileiros sabemos que isso não é verdade, por isso não há como se identificar com uma identidade nacional que pregue essa ideia. Logo, se não há identificação, não há identidade.

Um exemplo dessa constatação é observado se analisarmos um dos principais ícones formuladores da imagem do Brasil no exterior, Carmen Miranda.

An explosion of fantasy, energy and playful eroticism!

Em sua época ela conquistou os brasileiros com o seu talento e os fez se orgulhar de viverem em uma terra cheia de música, dança, ginga e signos tropicais, porém ao se submeter a interpretar estereótipos pejorativos fora do território nacional houve a deturpação do significado de ser brasileiro, pois essa imagem difundida (com elementos como frutas e folhagens que remetem ao tropical, ilustrando alegria e sensualidade) representava não só o Brasil, mas também a América-Latina como um todo e sua cultura supostamente inferior e selvagem, comprovando de fato que a moda de identidade brasileira não pode ser identificada por bananas, araras, roupas coloridas ou decotes profundos e saias curtas.

Hoje já não há mais essa identificação por conta dos brasileiros, onde o desafio não diz respeito à aproximação dos indivíduos e das coletividades, mas em especial em relação à administração de suas diferenças, já que na sociedade contemporânea as semelhanças não são celebradas, mas sim as alteridades, principalmente em relação à moda.

Criar ou difundir uma identidade nacional parece tarefa difícil não só pelo fato do tamanho territorial do Brasil, mas também por uma lógica de mercado onde o cidadão é substituído pelo consumidor e a imaginação da nação é atrofiada pelos valores mercadológicos.

O corpo funciona como uma espécie de operador simbólico no quadro de uma antropologia do consumo. E seguindo pistas sobre o assunto, dadas por Mary Douglas e Baron Isherwood (2004), a leitura do consumo, de alguma forma, reconstrói dados sobre a cultura de uma época e de um país.

O consumo de bens materiais e simbólicos é ativo e constante no nosso cotidiano como estruturador de valores que constroem identidade, regulam relações sociais e definem mapas culturais. A elaboração de um pensamento capaz de ler os significados culturais do consumo, possui assim, grande importância antropológica e comunicacional já que os bens são investidos de valores para expressar ideias, princípios, provocar transformações e criar permanências.

Nos anos 2000, no contexto da globalização da sociedade de consumo, cresce a preocupação com a Marca Brasil, explorado como um grande celeiro de criatividade e talentos nos mais diversos campos. Enfatiza-se a imagem do país no cenário global, oferecendo criatividade e desenvolvimento tecnológico. O empréstimo, tomado ao campo artístico, aponta para o processo de construção da identidade como esforço histórico e não essência ou substância. Na trilha dos tropicalistas, a apropriação e a hibridação dão o tom.

Na cultura de mercado é a diversidade que cria a unidade. Segundo Martín-Barbero, é o mercado capitalista que pressiona o sentido da formação de identidades locais. “A identidade local é assim levada a se transformar em uma representação da diferença que possa fazê-la comercializável, ou seja, submetida ao turbilhão das colagens e hibridações que impõe o mercado” (Martín-Barbero, 1997: 28).

Da diferença cultural ao diferencial da marca, segundo Isleide Arruda Fontenelle (2002), a importância atribuída à marca provém de um processo de compensação pela implosão constante de todas as formas resultantes de uma cultura descartável. A marca parece com a ilusão da forma que dá ao sujeito o sentido de permanência já que as imagens se deslocam o tempo todo em torno do nome que é fixo.

Seguindo essa tendência até mesmo o governo lançou a Marca Brasil para promover os produtos e serviços brasileiros no exterior, um esforço da FIESP, do Ministério do Desenvolvimento e do Turismo, e do presidente da EMBRATUR, após pesquisa feita com empresas e estrangeiros que visitaram o Brasil. O presidente da FIESP afirma que a marca vai agregar valor aos produtos brasileiros. Segundo o ministro do turismo a marca é fundamental porque dá forma, cor e visibilidade a um conjunto de sentimentos que nós sempre tivemos no país.

Para conhecer o Instituto Marca Brasil acesse: http://www.marcabrasil.org.br/site-novo/

Essa questão das “marcas made in Brazil” aparecem como estratégia do mercado contemporâneo, mas isso não quer dizer as mesmas imagens de sempre deverão ser usadas.

Vide o exemplo Havaianas, demonstrando que há como “negociar” uma identidade brasileira, pois não estamos falando aqui de um apelo exclusivo às araras ou folhas de palmeiras, a brasileira Alpargatas conseguiu colocar e manter os modelos Havaianas no topo da lista dos itens de moda no exterior graças a um engenhoso programa de relações públicas e eventos que resultaram em visibilidade do produto na mídia e, claro, inovações constantes, com direito a aplicação de cristais Swarovski ou de ouro 18 quilates.

Celebridades usando Havaianas dentro e fora do Brasil.

Essa história de sucesso no mercado mundial, em parte foi fruto da ousadia para entrar no jogo bruto do marketing internacional, mostrando que o importante é nos liberar da camisa de força de fazer moda brasileira com ícones de uma ilha tropical.

A moda com identidade brasileira deve buscar autonomia, assim como o país busca. Essa velha lorota de que as estereotipadas imagens mercantes do futebol, do colorido e da música são o que o Brasil como um todo tem em comum  só confirmam o nosso desespero em nos orgulhar de sermos brasileiros.

A busca por autonomia é o que nos une, e por isso as aves exóticas deveriam ser deixadas de lado, o investimento sério em tecnologia, pesquisas, design e gestão poderiam ser um bom começo para se chegar a uma moda expressiva, e quem sabe com uma identidade verdadeiramente brasileira.

A top Gisele Bündchen usou o Facebook para homenagear o Dia da Independência, ela postou na rede social uma foto em que aparece enrolada em bandeiras do Brasil. “Independência do meu lindo Brasil!”, escreveu ela. Aproveitando a deixa, acrescento que isso é o que eu desejo para a moda brasileira.

Para Saber mais:

  • BESERRA, Bernadete . Sob a sombra de Carmen Miranda e do carnaval: brasileiras em Los Angeles. Cadernos Pagu (UNICAMP), v. 28, p. 313-344, 2007.
  • DOUGLAS, Mary y Baron Isherwood. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo: Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.
  • FONTENELLE, Isleide Arruda. O nome da marca: McDonald’s, fetichismo e cultura descartável. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.
  • GARCIA, T. da C. Carmen Miranda e os Good Neighbours. In: Revista Diálogos, Vol. 7,2003.
  • MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia: Prefácio Néstor García Canclini: Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
  • SANTOS, B. da C. Yes, nós temos bananas? Brígida da Cruz Santos. In: Anais do 3º Colóquio de Moda. Faculdades CIMO. Belo Horizonte, MG, 2007.
  • VILLAÇA, Nízia. Identidade nacional e o espaço da moda. , 2009. Disponível em: <http://revestudio.ll.usb.ve/PDF/32/10-Estudios32.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2012.
Amanda Prado

Amanda Prado

Vinte e um anos, mineira, viveu no interior do Rio de Janeiro desde sempre até que a partir de 2011 se aventurou a morar em terras paranaenses para estudar Moda na Universidade Estadual de Maringá (UEM), mais especificamente em Cianorte, onde concluiu o curso de Moda em 2015, e não satisfeita, aproveitou a deixa e se formou em 2013 como técnica em vestuário pelo SENAI. Apaixonada por pesquisas acadêmicas, moda e áreas afins, mas acima de tudo consciente da necessidade da fomentação do campo de saber da moda.

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Moda com identidade nacional? III

Por Amanda Prado

Definir o nacional foi uma luta ideológica que atravessou diversos momentos históricos, notadamente, os anos 20 com o Movimento Modernista, com a antropofagia e também a década de 30 com a obra representativa de Gilberto Freyre que inverte o sentido de mestiçagem atribuindo-lhe positividade, além do papel de Carmen Miranda nas décadas de 1930 até 1950, bem como em meados do fim da década de 1960, no movimento da Tropicália.

Porém, mesmo com essa dificuldade em se definir a nação brasileira em diferentes momentos históricos, hoje, na sociedade do consumo parece ser ainda mais complexo. O mais complicado em apontar uma identidade para a moda brasileira, no sentido de produto que venda tanto em território nacional quanto no exterior é manter uma coerência sobre o que são os brasileiros e o seu país, e o que sempre foi vendido como made in Brazil.

Katy Perry novamente “vestindo o Brasil”, dessa vez para a coleção Melissa Amazonista (verão 2011), inspirada em variados temas e estilos da Amazônia, um verdadeiro “luxo ecológico” que exala brasilidade! E você, já viu uma arara fora do zoológico?

Os ideais e os valores sociais nacionais, incluindo questões que provêm da lógica do capital e da lógica propriamente política, se modificaram ao longo dos tempos, porém o Brasil continua a ser visto e vendido como uma terra tropical paradisíaca de florestas intactas. Nós brasileiros sabemos que isso não é verdade, por isso não há como se identificar com uma identidade nacional que pregue essa ideia. Logo, se não há identificação, não há identidade.

Um exemplo dessa constatação é observado se analisarmos um dos principais ícones formuladores da imagem do Brasil no exterior, Carmen Miranda.

An explosion of fantasy, energy and playful eroticism!

Em sua época ela conquistou os brasileiros com o seu talento e os fez se orgulhar de viverem em uma terra cheia de música, dança, ginga e signos tropicais, porém ao se submeter a interpretar estereótipos pejorativos fora do território nacional houve a deturpação do significado de ser brasileiro, pois essa imagem difundida (com elementos como frutas e folhagens que remetem ao tropical, ilustrando alegria e sensualidade) representava não só o Brasil, mas também a América-Latina como um todo e sua cultura supostamente inferior e selvagem, comprovando de fato que a moda de identidade brasileira não pode ser identificada por bananas, araras, roupas coloridas ou decotes profundos e saias curtas.

Hoje já não há mais essa identificação por conta dos brasileiros, onde o desafio não diz respeito à aproximação dos indivíduos e das coletividades, mas em especial em relação à administração de suas diferenças, já que na sociedade contemporânea as semelhanças não são celebradas, mas sim as alteridades, principalmente em relação à moda.

Criar ou difundir uma identidade nacional parece tarefa difícil não só pelo fato do tamanho territorial do Brasil, mas também por uma lógica de mercado onde o cidadão é substituído pelo consumidor e a imaginação da nação é atrofiada pelos valores mercadológicos.

O corpo funciona como uma espécie de operador simbólico no quadro de uma antropologia do consumo. E seguindo pistas sobre o assunto, dadas por Mary Douglas e Baron Isherwood (2004), a leitura do consumo, de alguma forma, reconstrói dados sobre a cultura de uma época e de um país.

O consumo de bens materiais e simbólicos é ativo e constante no nosso cotidiano como estruturador de valores que constroem identidade, regulam relações sociais e definem mapas culturais. A elaboração de um pensamento capaz de ler os significados culturais do consumo, possui assim, grande importância antropológica e comunicacional já que os bens são investidos de valores para expressar ideias, princípios, provocar transformações e criar permanências.

Nos anos 2000, no contexto da globalização da sociedade de consumo, cresce a preocupação com a Marca Brasil, explorado como um grande celeiro de criatividade e talentos nos mais diversos campos. Enfatiza-se a imagem do país no cenário global, oferecendo criatividade e desenvolvimento tecnológico. O empréstimo, tomado ao campo artístico, aponta para o processo de construção da identidade como esforço histórico e não essência ou substância. Na trilha dos tropicalistas, a apropriação e a hibridação dão o tom.

Na cultura de mercado é a diversidade que cria a unidade. Segundo Martín-Barbero, é o mercado capitalista que pressiona o sentido da formação de identidades locais. “A identidade local é assim levada a se transformar em uma representação da diferença que possa fazê-la comercializável, ou seja, submetida ao turbilhão das colagens e hibridações que impõe o mercado” (Martín-Barbero, 1997: 28).

Da diferença cultural ao diferencial da marca, segundo Isleide Arruda Fontenelle (2002), a importância atribuída à marca provém de um processo de compensação pela implosão constante de todas as formas resultantes de uma cultura descartável. A marca parece com a ilusão da forma que dá ao sujeito o sentido de permanência já que as imagens se deslocam o tempo todo em torno do nome que é fixo.

Seguindo essa tendência até mesmo o governo lançou a Marca Brasil para promover os produtos e serviços brasileiros no exterior, um esforço da FIESP, do Ministério do Desenvolvimento e do Turismo, e do presidente da EMBRATUR, após pesquisa feita com empresas e estrangeiros que visitaram o Brasil. O presidente da FIESP afirma que a marca vai agregar valor aos produtos brasileiros. Segundo o ministro do turismo a marca é fundamental porque dá forma, cor e visibilidade a um conjunto de sentimentos que nós sempre tivemos no país.

Para conhecer o Instituto Marca Brasil acesse: http://www.marcabrasil.org.br/site-novo/

Essa questão das “marcas made in Brazil” aparecem como estratégia do mercado contemporâneo, mas isso não quer dizer as mesmas imagens de sempre deverão ser usadas.

Vide o exemplo Havaianas, demonstrando que há como “negociar” uma identidade brasileira, pois não estamos falando aqui de um apelo exclusivo às araras ou folhas de palmeiras, a brasileira Alpargatas conseguiu colocar e manter os modelos Havaianas no topo da lista dos itens de moda no exterior graças a um engenhoso programa de relações públicas e eventos que resultaram em visibilidade do produto na mídia e, claro, inovações constantes, com direito a aplicação de cristais Swarovski ou de ouro 18 quilates.

Celebridades usando Havaianas dentro e fora do Brasil.

Essa história de sucesso no mercado mundial, em parte foi fruto da ousadia para entrar no jogo bruto do marketing internacional, mostrando que o importante é nos liberar da camisa de força de fazer moda brasileira com ícones de uma ilha tropical.

A moda com identidade brasileira deve buscar autonomia, assim como o país busca. Essa velha lorota de que as estereotipadas imagens mercantes do futebol, do colorido e da música são o que o Brasil como um todo tem em comum  só confirmam o nosso desespero em nos orgulhar de sermos brasileiros.

A busca por autonomia é o que nos une, e por isso as aves exóticas deveriam ser deixadas de lado, o investimento sério em tecnologia, pesquisas, design e gestão poderiam ser um bom começo para se chegar a uma moda expressiva, e quem sabe com uma identidade verdadeiramente brasileira.

A top Gisele Bündchen usou o Facebook para homenagear o Dia da Independência, ela postou na rede social uma foto em que aparece enrolada em bandeiras do Brasil. “Independência do meu lindo Brasil!”, escreveu ela. Aproveitando a deixa, acrescento que isso é o que eu desejo para a moda brasileira.

Para Saber mais:

  • BESERRA, Bernadete . Sob a sombra de Carmen Miranda e do carnaval: brasileiras em Los Angeles. Cadernos Pagu (UNICAMP), v. 28, p. 313-344, 2007.
  • DOUGLAS, Mary y Baron Isherwood. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo: Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.
  • FONTENELLE, Isleide Arruda. O nome da marca: McDonald’s, fetichismo e cultura descartável. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.
  • GARCIA, T. da C. Carmen Miranda e os Good Neighbours. In: Revista Diálogos, Vol. 7,2003.
  • MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia: Prefácio Néstor García Canclini: Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
  • SANTOS, B. da C. Yes, nós temos bananas? Brígida da Cruz Santos. In: Anais do 3º Colóquio de Moda. Faculdades CIMO. Belo Horizonte, MG, 2007.
  • VILLAÇA, Nízia. Identidade nacional e o espaço da moda. , 2009. Disponível em: <http://revestudio.ll.usb.ve/PDF/32/10-Estudios32.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2012.
Amanda Prado

Amanda Prado

Vinte e um anos, mineira, viveu no interior do Rio de Janeiro desde sempre até que a partir de 2011 se aventurou a morar em terras paranaenses para estudar Moda na Universidade Estadual de Maringá (UEM), mais especificamente em Cianorte, onde concluiu o curso de Moda em 2015, e não satisfeita, aproveitou a deixa e se formou em 2013 como técnica em vestuário pelo SENAI. Apaixonada por pesquisas acadêmicas, moda e áreas afins, mas acima de tudo consciente da necessidade da fomentação do campo de saber da moda.

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