As capas de disco e a expressão visual da Bossa Nova
No decorrer da incrível trajetória musical brasileira as capas de disco foram palco para experimentações artísticas de todos os tipos e funcionaram como suporte para expressão e crítica de grandes momentos da história do Brasil. Como esquecer da icônica capa de Todos os Olhos, de Tom Zé, que em 1973 levou a imagem do ânus de uma prostituta às prateleiras das lojas, zombando da censura vigente na época?
No entanto, não se pode diminuir o fato de que as capas de discos – apesar de possuírem incomensurável importância como registros visuais de diferentes épocas e expressões musicais – são embalagens de determinado produto e, como embalagens de quaisquer outros produtos que estejam sujeitos ao mercado, têm também a função de causar impacto sobre o consumidor para motivá-lo a efetuar a compra. Essa mentalidade tomou força maior no Brasil por volta da década de 50, quando a publicidade ganha maior espaço dentro do cenário musical brasileiro. E foi justamente no final da década de 50 que surgiu um dos mais importantes movimentos musicais brasileiros: a bossa nova.
As capas bossanovistas são um dentre tantos grandes exemplos de como as embalagens de discos podem ser encarados como verdadeiros documentos de expressão visual de grandes momentos da trajetória musical brasileira. A bossa nova veio para trazer ares frescos para a música nacional, que estava há anos se alimentando de “fossa”. Isso porque nos anos 50 o gênero musical de maior popularidade era o samba-canção, que, glamourizando o sofrimento por amor, tornou famosos intérpretes como Maysa, Dolores Duran e Lupicínio Rodrigues. Foi com Chega de Saudade, num compacto de João Gilberto, que a era da dor de cotovelo deu lugar às amenidades bossanovistas. Chega de Saudade tinha tudo pra ser uma bela representante de samba-canção, não fossem os versos da segunda metade da música, que seguiam a conjunção adversativa “mas”. “Mas”, essa poderosa palavra de três letras usada com maestria por Tom Jobim e Vinícius de Moraes e interpretada por João Gilberto mudou para sempre a história da música brasileira.
A gravadora, especializada em discos de bossa nova, era a Elenco e foi sob esse selo que César Villela desenvolveu a identidade visual que unificaria a produção bossanovista registrada pela gravadora.
O layout das capas foi simplificado, imagens e texto apareciam chapados, em preto sobre grandes áreas brancas. As fotografias dos artistas (feitas por Chico Pereira) eram aplicadas em alto contraste e os únicos pontos de cor encontrados eram quatro círculos vermelhos, característicos da marca da gravadora, que tinham posição variada em cada uma das capas. Villela já havia trabalhado em projetos ousados para a Odeon e, na Elenco teve total autonomia para a criação as capas que dariam cara à bossa nova. A ideia do designer era simplificar para ganhar destaque nas prateleiras, entre tantas capas contemporâneas que brigavam entre si por meio de excessos visuais.
César Villela criou um verdadeiro sistema de identidade que materializou visualmente um dos mais importantes movimentos musicais brasileiros. Suas capas continham conceitos de vanguarda, de ruptura com uma estética ultrapassada. Conceitos estes que também estavam embutidos na nova estética musical que tinha chegado para revolucionar, rejuvenescer a música brasileira. Essas capas produzidas por Villela e Chico Pereira são incríveis exemplos de como as embalagens dos discos são passíveis de configurarem a representação gráfica de toda uma mentalidade e, por esse motivo, se tornam material riquíssimo para reflexão das expressões visuais de momentos (Históricos! Artísticos! Musicais!) que constituem essa complexa identidade nacional cuja definição tem tirado o sono de tantos teóricos por aí.
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