Design e Mudanças Sociais

Por Rob Batista

“O design está profundamente enredado em nosso dia a dia, e, portanto, sempre conectado à esfera social. Logo, nós poderíamos pensar em design como algo relacionado a mudanças sociais. Como o design pode permitir essa mudança?” – Tom Bieling.

Nos últimos anos várias manifestações públicas e abertas têm acontecido ao redor do mundo. Cada uma expressando seus desejos, realidades e reivindicações. Nos Estados Unidos vários grupos, como o Occupy, tem se queixado do sistema financeiro, bem como na Europa, como o M-15, com o adendo de questões como corrupção, eliminação de direitos, exclusão social e medidas austeras de controle da economia. Aqui por essas bandas, movimentos como Existe Amor Em SP, Marcha da Maconha, Mov. Tarifa Zero, Marcha das Vadias e várias redes de coletivos têm promovido o mesmo tipo de iniciativa frente à uma série insatisfações que se fazem relevar. Para entender como o design pode facilitar ou permitir essas mudanças sociais, é necessário entender como se constrói o que se pretende mudar: a normalidade.

Em primeiro lugar, é interessante perceber que o conceito de normalidade só é necessário quando se deseja alinhar alguém (ou alguma coisa) à um conjunto de padrões, verdades ou normas. Fixa-se uma realidade que se pretende vender como algo absoluto, imutável, perene, e então o conceito de normalidade é usado, nesse sentido, como avaliador permanente de tudo o que for aceitável ou não dentro dessa realidade. Portanto, quando se pretende promover qualquer tipo de mudança social, é necessário alterar, descontruir ou reconfigurar a normalidade que provoca todas aquelas insatisfações. Uma nova realidade só poderia ser projetada quando fizéssemos essa alteração e, assim, permitiríamos novas formas e jeitos de organizar a realidade. O conceito de normalidade só pode ser reconfigurado no imaginário, que é onde acontece a principal disputa de ideais.

“Encarar a profissão do designer como executor é rebaixar sua capacidade. O design é uma das pontas do processo para moldar o futuro” – Zeh Fernandes

É aí que entra o design. Segundo Tom Fisher (2010), “Design é capaz de envolver-se com essa reconfiguração”. Podemos entender, à partir dessa perspectiva, que o design consegue explorar variadas formas de normalidade até nas “anormalidades” e, assim, permitir outras concepções do que pode ser “normal”, abrindo as portas para diferentes realidades.

Nas manifestações sociais, nos movimentos que buscam por mudança, o design, talvez mais evidentemente do que em qualquer outro lugar, explora aquilo que ele pode fazer melhor: construir significado. Da mesma forma que determinados comportamentos viram norma por construção simbólica, o design pode servir como articulação de símbolos e significados que constróem a história da nova realidade que se pretenda plantar, seja no convencimento de que é importante legalizar a maconha, respeitar os direitos da mulher e dos homossexuais, seja no debate sobre o transporte público ou ocupação livre do espaço pelas pessoas. Fazer design é, no fim das contas, contar histórias, construir significados e articular, assim, realidades.

A Articulação Simbólica foi muito importante nas ações dos Occupy, tanto do britâncio como do americano. Houve uma preocupação muito grande em construir um universo visual que pudesse expressar todo o clima que envolvia as manifestações. Foram projetados desde símbolos para as assembléias, logos, cartazes que promoviam as ações, foram memetizados infográficos, entre várias outras coisas.

Occupy Signs

Occupy Signs

Infográfico

Infográfico

Occupy/99%

Occupy/99%

Na maior parte das vezes, a produção e reprodução de todo esse conteúdo acontece de forma memética (vide Adbusters, Meme Wars, etc). É geralmente um processo aberto e bastante livre que possibilita a difusão de ideias e materiais para a promoção dos valores de quem está envolvido. Na Europa, o Voces Con Futura congregava posters de várias pessoas de diferentes países em apoio às causas dos movimentos no continente.

Voces Con Futura

Voces Con Futura

No meio disso tudo, é possível perceber que o design consegue projetar realidades mesmo quando procuramos fazer uma abordagem dele tão recente, como da articulação simbólica, e acaba fazendo melhor, eu poderia dizer. Se antigamente, sob o espectro das guerras ideológicas, o design parecia ter um papel limitado na construção de sentido para o contexto das disputas (embora, sim, o fizesse), hoje esse processo é muito mais evidente.

Não acredito que qualquer um desses movimentos possa chegar a um mundo perfeito, porque ele simplesmente não existe. Nem as ideias desse movimentos são absolutas, e podem ser até, em vários momentos, questionadas, já que nosso mundo não passa, na verdade, de uma composição de ficções. Mas é aí que está nossa poesia – nenhuma ficção é para sempre. Saber disso nos torna capazes de enxergar a possibilidade de mudanças, de reconfigurar ficções, narrativas, modos de olhar e compreender. Não somos obrigados a viver situações que nos incomodam só por que dizem que mudanças não são possíveis. Mas se quiser realmente mudar alguma coisa é imprescindível que se tenha uma outra história para contar, uma ideia bem projetada para defender e oferecer para a sociedade como realidade ou modelo alternativo. Não basta desconstruir, é preciso construir algo novo, oferecer uma história própria.

E é nisso que o design pode ajudar todos esses movimentos que têm, legitimamente, buscado essas mudanças: projetando narrativas alternativas, e construindo, muito mais que produtos, um novo modo de olhar e significado para esse novo mundo possível.

JOOST, G; BIELING, T. Design contra a Nomalidade. Traduzido do inglês por Paulo Ortega. V!RUS, São Carlos, n. 7, jun. 2012. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus07/?sec=3&item=2&lang=pt>. Acesso em: 12 Jun. 2013.

FISHER, T. In community’s post-conference online discussion. In: Sustainability in Design: Now! Challenges and Opportunities for Design Research, Education and Practice in de XXI Century. Bangalore, Índia, 29 set-1 out 2010. Anais. Sheffield: Greenleaf Publishing.

 Referências:

 

Rob Batista

Rob Batista

Rob Batista, aka Robin Hood, é paulista e estudante de Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi. Se encontra (e se perde) em Artes Visuais, Antropologia, Filosofia, Ficção Científica, entre outras coisas, e vê no design o poder de (des)construir o mundo. Suas pesquisas, observações e toda a bobagem que fala são muito menos o desejo de explicar e muito mais a tentativa de entender.

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Por Rob Batista

“O design está profundamente enredado em nosso dia a dia, e, portanto, sempre conectado à esfera social. Logo, nós poderíamos pensar em design como algo relacionado a mudanças sociais. Como o design pode permitir essa mudança?” – Tom Bieling.

Nos últimos anos várias manifestações públicas e abertas têm acontecido ao redor do mundo. Cada uma expressando seus desejos, realidades e reivindicações. Nos Estados Unidos vários grupos, como o Occupy, tem se queixado do sistema financeiro, bem como na Europa, como o M-15, com o adendo de questões como corrupção, eliminação de direitos, exclusão social e medidas austeras de controle da economia. Aqui por essas bandas, movimentos como Existe Amor Em SP, Marcha da Maconha, Mov. Tarifa Zero, Marcha das Vadias e várias redes de coletivos têm promovido o mesmo tipo de iniciativa frente à uma série insatisfações que se fazem relevar. Para entender como o design pode facilitar ou permitir essas mudanças sociais, é necessário entender como se constrói o que se pretende mudar: a normalidade.

Em primeiro lugar, é interessante perceber que o conceito de normalidade só é necessário quando se deseja alinhar alguém (ou alguma coisa) à um conjunto de padrões, verdades ou normas. Fixa-se uma realidade que se pretende vender como algo absoluto, imutável, perene, e então o conceito de normalidade é usado, nesse sentido, como avaliador permanente de tudo o que for aceitável ou não dentro dessa realidade. Portanto, quando se pretende promover qualquer tipo de mudança social, é necessário alterar, descontruir ou reconfigurar a normalidade que provoca todas aquelas insatisfações. Uma nova realidade só poderia ser projetada quando fizéssemos essa alteração e, assim, permitiríamos novas formas e jeitos de organizar a realidade. O conceito de normalidade só pode ser reconfigurado no imaginário, que é onde acontece a principal disputa de ideais.

“Encarar a profissão do designer como executor é rebaixar sua capacidade. O design é uma das pontas do processo para moldar o futuro” – Zeh Fernandes

É aí que entra o design. Segundo Tom Fisher (2010), “Design é capaz de envolver-se com essa reconfiguração”. Podemos entender, à partir dessa perspectiva, que o design consegue explorar variadas formas de normalidade até nas “anormalidades” e, assim, permitir outras concepções do que pode ser “normal”, abrindo as portas para diferentes realidades.

Nas manifestações sociais, nos movimentos que buscam por mudança, o design, talvez mais evidentemente do que em qualquer outro lugar, explora aquilo que ele pode fazer melhor: construir significado. Da mesma forma que determinados comportamentos viram norma por construção simbólica, o design pode servir como articulação de símbolos e significados que constróem a história da nova realidade que se pretenda plantar, seja no convencimento de que é importante legalizar a maconha, respeitar os direitos da mulher e dos homossexuais, seja no debate sobre o transporte público ou ocupação livre do espaço pelas pessoas. Fazer design é, no fim das contas, contar histórias, construir significados e articular, assim, realidades.

A Articulação Simbólica foi muito importante nas ações dos Occupy, tanto do britâncio como do americano. Houve uma preocupação muito grande em construir um universo visual que pudesse expressar todo o clima que envolvia as manifestações. Foram projetados desde símbolos para as assembléias, logos, cartazes que promoviam as ações, foram memetizados infográficos, entre várias outras coisas.

Occupy Signs

Occupy Signs

Infográfico

Infográfico

Occupy/99%

Occupy/99%

Na maior parte das vezes, a produção e reprodução de todo esse conteúdo acontece de forma memética (vide Adbusters, Meme Wars, etc). É geralmente um processo aberto e bastante livre que possibilita a difusão de ideias e materiais para a promoção dos valores de quem está envolvido. Na Europa, o Voces Con Futura congregava posters de várias pessoas de diferentes países em apoio às causas dos movimentos no continente.

Voces Con Futura

Voces Con Futura

No meio disso tudo, é possível perceber que o design consegue projetar realidades mesmo quando procuramos fazer uma abordagem dele tão recente, como da articulação simbólica, e acaba fazendo melhor, eu poderia dizer. Se antigamente, sob o espectro das guerras ideológicas, o design parecia ter um papel limitado na construção de sentido para o contexto das disputas (embora, sim, o fizesse), hoje esse processo é muito mais evidente.

Não acredito que qualquer um desses movimentos possa chegar a um mundo perfeito, porque ele simplesmente não existe. Nem as ideias desse movimentos são absolutas, e podem ser até, em vários momentos, questionadas, já que nosso mundo não passa, na verdade, de uma composição de ficções. Mas é aí que está nossa poesia – nenhuma ficção é para sempre. Saber disso nos torna capazes de enxergar a possibilidade de mudanças, de reconfigurar ficções, narrativas, modos de olhar e compreender. Não somos obrigados a viver situações que nos incomodam só por que dizem que mudanças não são possíveis. Mas se quiser realmente mudar alguma coisa é imprescindível que se tenha uma outra história para contar, uma ideia bem projetada para defender e oferecer para a sociedade como realidade ou modelo alternativo. Não basta desconstruir, é preciso construir algo novo, oferecer uma história própria.

E é nisso que o design pode ajudar todos esses movimentos que têm, legitimamente, buscado essas mudanças: projetando narrativas alternativas, e construindo, muito mais que produtos, um novo modo de olhar e significado para esse novo mundo possível.

JOOST, G; BIELING, T. Design contra a Nomalidade. Traduzido do inglês por Paulo Ortega. V!RUS, São Carlos, n. 7, jun. 2012. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus07/?sec=3&item=2&lang=pt>. Acesso em: 12 Jun. 2013.

FISHER, T. In community’s post-conference online discussion. In: Sustainability in Design: Now! Challenges and Opportunities for Design Research, Education and Practice in de XXI Century. Bangalore, Índia, 29 set-1 out 2010. Anais. Sheffield: Greenleaf Publishing.

 Referências:

 

Rob Batista

Rob Batista

Rob Batista, aka Robin Hood, é paulista e estudante de Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi. Se encontra (e se perde) em Artes Visuais, Antropologia, Filosofia, Ficção Científica, entre outras coisas, e vê no design o poder de (des)construir o mundo. Suas pesquisas, observações e toda a bobagem que fala são muito menos o desejo de explicar e muito mais a tentativa de entender.

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