Elogio ao inútil
Como a típica workaholic que sou, é de se esperar que eu goste de me sentir útil. E, de fato, a sensação de estar fazendo coisas me agrada bastante. Porém, é justamente por amar o trabalho que farei aqui uma ode ao inútil.
Desde que o burguês conquistou seu espaço na sociedade moderna com a Revolução Francesa, intensificamos cada vez mais o trabalho como um aspecto fundamental de nossas vidas. O pensamento burguês criou as bases necessárias para que o capitalismo sedimentasse uma cultura ao consumo, tornando o trabalho a principal turbina do processo de compras.
Se por um lado o trabalho veio a calhar, por outro ele é uma glória. Algumas religiões, como o protestantismo, incluem-no como um dos caminhos para a salvação: ele dignifica o homem. Os ideais protestantes creem que o trabalho enobrece o homem perante Deus, pois a rotina do trabalhador mantém o fiel afastado, por falta de tempo, dos excessos. Seguindo este raciocínio, o ócio é visto como uma das danações da alma. A doutrina católica não vê o trabalho como um fim absoluto tal qual faz o protestante, mas repudia a preguiça, classificando-a como um dos sete pecados capitais.
Embora também acredite que ócio possa ser um problema, não o rejeito. Acredito, inclusive, que é uma atividade produtiva. Não só o ócio, mas tudo que não tem realmente uma função, uma utilidade específica, é de alguma forma válida.
Tudo que é útil está enclausurado num ciclo de utilidade das coisas. Usando um exemplo banal: você vai à faculdade para ter um bom trabalho. Você quer um bom trabalho para ter um bom salário. Você quer um bom salário para ter uma boa casa. Você quer uma boa casa para poder… As razões não acabam nunca. É um ciclo infinito de motivos para se fazer coisas, como se não pudéssemos simplesmente fazê-las. Se buscarmos a utilidade em tudo que fazemos, se formos à fundo numa razão de ser das coisas, terminaremos num grande vácuo sem resposta alguma. Por que fazemos o que temos que fazer, afinal de contas? A resposta é um vazio duvidoso, quiçá existencial.
Entretanto, se pensarmos que fazemos as coisas simplesmente porque queremos fazê-las, saímos deste ciclo infindável. O inútil torna-se útil sendo inútil – a função de algo recai simplesmente em sê-la. Isto é o que acontece, por exemplo, com a arte. Eu não poderia escolher palavras melhores que as do mestre Oscar Wilde escreveu num dos melhores prefácios de todos os tempos: Pode-se perdoar a um homem o fazer uma coisa útil, enquanto ele a não admira. A única desculpa que merece quem faz uma coisa inútil é admirá-la intensamente. Toda a arte é absolutamente inútil.
Ao analisando o valor da inutilidade percebe-se como ela é crucial, já que o funcionalismo não explica o mundo. As relações sociais e culturais não são regidas por métodos racionalistas. O design e a comunicação reafirmam estas interações através de fatores que vão além da utilidade e da funcionalidade das coisas. Não escolhemos o que amamos porque é útil. Amamos pelo mais variados motivos: porque é bonito, porque é legal, porque está na moda, porque sim.
Cada vez mais tenho em mente como as coisas inúteis são as mais necessárias. Após passar por um dia de trabalho fazendo do design uma função a serviço dos outros, eu insisto: chego em casa, afago o cansaço e crio um projeto sem função alguma, apenas a bel-prazer. Simplesmente porque eu amo design; porque eu acredito no poder do design fechando em si mesmo. É tão e somente design e isto encerra sua função. Sua utilidade é se fazer inútil. É ser design.
E isto basta.
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