Ovo e galinha, sociedade¹ e indústria – aspiradores de pó, habitantes do mundo

Por Carol Zanelatto

Objetos contam a história. A literatura acadêmica mais tradicional do ramo pode não tratar do assunto de modo assíduo ou até abafar o caso, mas não acredite nela. Afinal, ninguém ainda fez um museu de algo que ainda não aconteceu com coisas que ainda não existem. (Se fez, avise)

Teu laptop, tua xícara de café, tua cadeira. O grampo de cabelo que me prende as madeixas quiçá tudo vai estar em um museu qualquer daqui a tantas centenas de anos, tosco, atrás dum vidro ou de algum material do futuro que o faça parecer exposto, distante e seguro. São elas, as coisas². Esse amontoado de materialidades visuais que dá suporte à nossa existência material, econômica.

Coisas – museu Histórico Nacional

Coisas – museu Histórico Nacional

Já faz tempo, nesse ocidente de Meu-Deus, que começamos a ter coisas³. Todo mundo começou a ter coisas. A indústria, aquela senhora que é também catalizadora das ansiedades sociais, queria que todo mundo tivesse coisas. O Design catalisou a indústria. Todo mundo queria ter coisas. Não se sabe quem quis ter o quê e como são muitas as afirmações perigosas, um blefe aqui seria arriscado. Portanto, antes que trabucos sejam pegos e a guerra seja armada, há uma história de Adrian Forty, em seu livro Objetos de Desejo, que conta algumas coisas:

 

Até os idos do século XIX, a sociedade ocidental, de uma forma geral, não possuía uma cultura de higiene e limpeza tal como a conhecemos hoje.  Naquela época, nossos colonizadores enfrentavam o problema da alta mortalidade por doenças infecciosas que vinha desde a idade média.

Na Grã-Bretanha, chegada a metade do século, sentia-se necessidade desse quadro ser mudado. Por volta de 1850, organizou-se naquele país a primeira campanha pela saúde pública e o resultado disso foi o despertar de uma preocupação levemente crescente com a limpeza doméstica.  Na mesma mão, as pesquisas científicas de Louis Pasteur contribuíram para a compreensão das doenças infecciosas e derrubaram, definitivamente, a teoria da abiogênese em 1880. Isso permitiu uma mudança de mentalidade geral na sociedade, considerando-se o fato de que, agora, qualquer resquício de sujeira poderia trazer germes e consequentemente, moléstias e essa mudança de postura foi tão forte na sociedade e na indústria que em 1884, a primeira exposição internacional de saúde foi organizada tendo como foco o design das casas saudáveis e seus utensílios – Portanto, foi fundamental que em toda essa nova cultura de limpeza, houvesse utensílios que facilitassem esse hábito.

Em 1860, Daniel Hess inventou uma máquina com escova giratória que sugava o pó e assim os futuros aspiradores de pó foram operados manualmente com pés e mãos pelos 40 anos que se seguiram. Foi a partir de 1905 que mercado ganhou uma gama de variedades em aspiradores com sucção e escova giratória. Nas propagandas, os aspiradores eram enfatizados pelas suas propriedades higiênicas e existia uma valorização da “estética da limpeza”.

Mesmo considerado um instrumento de limpeza, havia a questão da eletricidade: assim que indústria tratou de produzir produtos elétricos, não foi simples introduzi-los na sociedade. As pessoas tinham medo dos poderes da eletricidade e na maioria das vezes, se recusavam a utilizar os produtos elétricos, acreditando ser magia, algum tipo de coisa que pudesse matá-los ou trazer algum tipo de problema e isso só foi sanado com sua popularidade – em 1920, 8% das casas eram abastecidas pela rede elétrica, e, em 1963, esse número passara para 41%. Nesse tempo, foi missão da propaganda ressaltar a todo o momento, as maravilhas da eletricidade e todos os problemas que ela poderia solucionar, com o objetivo de que esse medo fosse superado.

Vintage HOOVER Vacuum  - Ad Advertisement, 1920

Vintage HOOVER Vacuum – Ad Advertisement, 1920

A questão do trabalho doméstico foi ainda levantada sobre quem e como iria fazê-lo. As mitologias do trabalho do lar pressupunham que não existia outra forma da mulher ser bem sucedida se não nas atividades domésticas. As mulheres da classe média tinham consigo o medo de serem vistas como meras criadas executando o trabalho do lar, porém, do ponto de vista das próprias criadas, esse trabalho era visto como algo indigno – ao aspirarem ao “status” da classe média, essas mulheres estavam conscientes que continuariam se sujeitando a esse trabalho. Com isso, a indústria criou o mito da economia de trabalho no lar e da substituição das criadas pelas máquinas, batizando seus produtos de nomes como “Betty Anne” e “Daisy”. Na verdade, o número de criados nas residências foi diminuindo naturalmente ao longo desse tempo e os aparelhos produziam um trabalho mais otimizado e eficiente, porém em mais tempo. De qualquer forma, a aquisição dos produtos elétricos tinha a intenção de deixar o trabalho doméstico mais atrativo, e alimentava a ilusão das senhoras da classe média de que as tarefas do lar não eram um trabalho operário, e sim, uma arte paga através da satisfação sentimental.

Premier Vacuum Cleaner . Ladies Journal, 1945

Premier Vacuum Cleaner . Ladies Journal, 1945

Notas:

¹ sociedade aqui é referida como a sociedade ocidental e capitalista.

² objetos, artefatos, utilitários, utensílios ou o sinônimo mais bacana que o dicionário vai te apresentar.

³ 1750, primeira revolução industrial. Na verdade nem faz tanto tempo assim, apenas o suficiente para tudo estar com cara de que sempre foi quando eu e você viemos ao mundo.

Carol Zanelatto

Carol Zanelatto

é estudante de Design de Produto da UFPR e mantém um caso de amor entre tantas outras coisas, com você, o mundo, a arte e a CORDe Curitiba

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