Convenções: Moda e Comunicação

Por Amanda Prado

Hoje tenho a intenção de colocar em foco certas “regras” em relação ao vestir, mas não esperem que eu revele o que combina com qual, ou o que pode e o que não pode ser usado nessa temporada. Tratarei de certas convenções da moda que regem o nosso cotidiano sem nos darmos conta.

Antes de tudo esclareço que não sei exatamente na teoria de qual autor foi baseado esse texto, fato que encaro de certa forma como uma vantagem de escrever artigos para um blog, e não para a publicação no meio acadêmico. Porém, apesar da liberdade que tenho de expressar minha opinião, tenho consciência de que isso traz certa responsabilidade da minha parte, então procurarei exemplificar meus argumentos.

Perguntas sem respostas?

Enfim, vamos a algumas questões: Por que em muitos colégios é proibido o uso de bonés? Por que a grande maioria das mulheres traja vestidos com características semelhantes no altar? Por que muitos homens de negócios vestem terno e gravata para trabalhar? Bom, melhor para por aqui, pois a lista de “regras” quando se trata do vestir é infinita, são quase dogmas em relação ao que devemos ou não trajar em locais e ocasiões distintas. Mas apesar de todas essas convenções nada impede você de estar agora mesmo em sua casa vestindo um moletom velho, meias e chinelo sem se sentir mal por isso.

Muitas pessoas se revoltam com essas questões, dizem que queriam sair por aí despidos, outros ainda se aproveitam dos símbolos de certos trajes e se fazem ser respeitados, ou utilizam roupas ou a ausência delas como forma de protesto.

Afinal, que poder é esse da moda que subjuga a todos nós? O fato de a moda ser utilizada como signo é inquestionável, mas e essas convenções que dominam o que vestimos ou não, como e por que elas controlam nossas decisões sem percebermos?

Essas indagações podem fazer a moda parecer ainda mais cruel do que o de costume, pois ser uma vítima da moda é uma opção, não são todos que se deixam escravizar pelos modismos, já os signos da moda e suas convenções integram a sociedade e nossas vidas.

A moda e a comunicação

Refletindo sobre essa questão me permito fazer alguns apontamentos, que não são considerações finais, muito menos conclusões, apenas algumas analogias que julgo pertinentes.

Vejam: a língua falada é um conjunto de signos que nos serve como forma de comunicação, que ao serem combinados tornam possíveis a emissão de sons que geram sentido. Da mesma forma fazemos combinações de signos visuais através da moda e produzimos diferentes discursos. O interessante é que a língua, assim como a moda possui convenções que regem nossas relações comunicativas com os outros, consequentemente tornando a nossa vida essa que conhecemos.

Devido a essas semelhanças entre a moda e a língua, para evidenciar algumas das questões levantadas anteriormente separei tipos de convenções em dois grupos básicos, pois eles são comuns tanto no sistema de organização dos signos da língua quanto no da moda. Assim denominei os grupos de convenções de construção e convenções de ocasião.

As Convenções

A convenção de construção da língua falada pode ser observada, por exemplo, quando seguimos a regra sujeito + verbo e construímos uma oração como “Ela escreve”. Essa convenção de construção deu origem a uma frase que comunica o fato de uma pessoa do sexo feminino escrever ou ter capacidade para realizar tal ato.

Já no caso da convenção de ocasião da língua falada posso citar o exemplo em que uma pessoa chega a algum lugar combinado e encontra com outra com quem havia marcado. Nesse caso os indivíduos da hipotética situação podem se cumprimentar dizendo “olá!” ou algo com esse sentido. Porém essas pessoas não poderiam dizer “tchau!” ou algo com esse significado de despedida se acabaram de chegar a um encontro e desejam se saudar e depois permanecer ali juntas, conversando.

As convenções da moda podem partir desses mesmos princípios relativos aos sentidos que queremos expressar, enfatizando o seu potencial como forma de comunicação. Exemplificando essa ideia digo que vestir top + bottom + par de sapatos, ou deixando ainda mais claro, baby look + calça + par de tênis, pode ser encarado como uma convenção de construção da moda. Digo isso, pois uma pessoa em circunstâncias normais, em tese não veste ao mesmo tempo três calças jeans, oito baby looks e um tênis diferente de cada par para trabalhar. Não que não seja possível se vestir assim, mas ninguém se veste dessa forma normalmente apenas pelo fato de haver convenções que determinam como construir uma combinação de peças de roupa que comuniquem essa nossa normalidade, tornando possível veicular sem interferências outras mensagens. O mesmo acontece com a língua falada, por exemplo, podemos querer oferecer um suco, e decidimos perguntar sem hesitação para alguém: “você aceita um suco de copo?” é possível combinar signos que reproduzam esses sons, mas a frase construída não será compreendida como uma mensagem normal, sem interferências de sentido, assim como no caso exposto em relação às roupas.

Quanto à convenção de ocasião existente na moda darei o seguinte exemplo, dessa vez baseado em fatos reais…

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook ao visitar Wall Street procurando por apoiadores no processo de levar sua empresa a vender ações na Bolsa de Valores. Observem: ele veste como de costume o seu já icônico moletom de gorro (no detalhe da imagem: Steve Jobs e Bill Gates, na idade do Mr. Facebook)

O jovem Mark causou burburinhos entre comentaristas financeiros dos EUA ao aparecer para reuniões sem terno e gravata. Estamos falando de um mundo que pede por esses trajes formais por conta da convenção de que esse tipo de vestimenta confere significações desejáveis aos homens de negócios, como respeitabilidade e credibilidade, tornando por convenção esse o uniforme oficial de homens de respeito e bem sucedidos.

Exatamente por isso houveram narizes torcidos para a roupa vestida por Zuckerberg, supostamente inadequada para a ocasião. Mas se pararmos para pensar Steve Jobs e Bill Gates (também inseridos na imagem), além de bem sucedidos em negócios inovadores, têm em comum com Mark o fato de que apesar do sucesso que envolve suas imagens, eles são vistos como nerds, de jeans e moletom, que ainda assim foram recebidos por homens de terno e gravata com honrarias. Afinal, quem teria recusado um encontro de negócios com algum deles por causa de suas roupas? É como se o sucesso dos negócios desses homens fosse automaticamente associado à imagem deles vestindo trajes mais informais do que terno e gravata. Por isso, Mark veste moletom como sempre fez, mas quando aparece na Wall Street com seu modelito de sempre há repercussão, pois é uma convenção de ocasião da moda se vestir formalmente nesse centro financeiro.

Agora reparem na imagem a seguir:

O mesmo Mark Zuckerberg em outra ocasião: seu casamento com Priscilla Chan. Ele apareceu de moletom no reino dos engravatados, mas em seu casamento se veste formalmente. Contraditório? No meu ponto de vista não. Afinal ocasiões referentes à sua empresa conhecida pelo seu sucesso ao estilo jovem e inovador, típico do ramo da internet combinam com roupas despojadas, um símbolo introduzido como aceito na moda por conta das aparições de Bill Gates. Porém, Zuckerberg em seu casamento acabou adotando o traje formal por conta dos signos de respeitabilidade e importância, já que se trata de um compromisso firmado em tese para a vida toda, que envolve questões culturais simbólicas tão veneradas.

Com esses exemplos do Mark Zuckerberg relativos à moda, demonstrei como se dá a adaptação de signos dependendo do sentido da mensagem que se almeja transmitir em determinada ocasião. Na língua falada isso também acontece. Por exemplo, entendendo o uso da vírgula como uma pausa na fala, um homem pode dizer: “Se o homem soubesse o valor que tem, a mulher andaria de quatro à sua procura”, Já uma mulher poderá dizer: “Se o homem soubesse o valor que tem a mulher, andaria de quatro à sua procura”. Ou seja, as frases foram adaptadas ao sentido que se quis dar a elas em diferentes ocasiões.

Perceberam como convenções de ocasião e construção são possíveis tanto na moda quanto na língua? Reflexões e exemplos à parte, na verdade espero não esclarecer os questionamentos feitos, mas sim de alguma forma ter chamado atenção para essas curiosidades e para os porquês da moda influenciar o nosso cotidiano com suas convenções que seguimos cegamente para sermos aceitos, ou tentamos romper para impor nossa individualidade.

Para saber mais:

  • Não pretendo perder o hábito de indicar a leitura de obras que inspiram os meus textos, mas hoje indico apenas uma observação mais atenta às influências que as roupas e a moda como um todo exercem sobre nós diariamente em nossas vidas, pois é perfeitamente possível refletir sobre aspectos da moda que influenciam o comportamento das pessoas ao observar o nosso cotidiano, atividade que confesso ser um dos meus passa tempos preferidos, e recomendo sem contra indicações.
Amanda Prado

Amanda Prado

Vinte e um anos, mineira, viveu no interior do Rio de Janeiro desde sempre até que a partir de 2011 se aventurou a morar em terras paranaenses para estudar Moda na Universidade Estadual de Maringá (UEM), mais especificamente em Cianorte, onde concluiu o curso de Moda em 2015, e não satisfeita, aproveitou a deixa e se formou em 2013 como técnica em vestuário pelo SENAI. Apaixonada por pesquisas acadêmicas, moda e áreas afins, mas acima de tudo consciente da necessidade da fomentação do campo de saber da moda.

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Convenções: Moda e Comunicação

Por Amanda Prado

Hoje tenho a intenção de colocar em foco certas “regras” em relação ao vestir, mas não esperem que eu revele o que combina com qual, ou o que pode e o que não pode ser usado nessa temporada. Tratarei de certas convenções da moda que regem o nosso cotidiano sem nos darmos conta.

Antes de tudo esclareço que não sei exatamente na teoria de qual autor foi baseado esse texto, fato que encaro de certa forma como uma vantagem de escrever artigos para um blog, e não para a publicação no meio acadêmico. Porém, apesar da liberdade que tenho de expressar minha opinião, tenho consciência de que isso traz certa responsabilidade da minha parte, então procurarei exemplificar meus argumentos.

Perguntas sem respostas?

Enfim, vamos a algumas questões: Por que em muitos colégios é proibido o uso de bonés? Por que a grande maioria das mulheres traja vestidos com características semelhantes no altar? Por que muitos homens de negócios vestem terno e gravata para trabalhar? Bom, melhor para por aqui, pois a lista de “regras” quando se trata do vestir é infinita, são quase dogmas em relação ao que devemos ou não trajar em locais e ocasiões distintas. Mas apesar de todas essas convenções nada impede você de estar agora mesmo em sua casa vestindo um moletom velho, meias e chinelo sem se sentir mal por isso.

Muitas pessoas se revoltam com essas questões, dizem que queriam sair por aí despidos, outros ainda se aproveitam dos símbolos de certos trajes e se fazem ser respeitados, ou utilizam roupas ou a ausência delas como forma de protesto.

Afinal, que poder é esse da moda que subjuga a todos nós? O fato de a moda ser utilizada como signo é inquestionável, mas e essas convenções que dominam o que vestimos ou não, como e por que elas controlam nossas decisões sem percebermos?

Essas indagações podem fazer a moda parecer ainda mais cruel do que o de costume, pois ser uma vítima da moda é uma opção, não são todos que se deixam escravizar pelos modismos, já os signos da moda e suas convenções integram a sociedade e nossas vidas.

A moda e a comunicação

Refletindo sobre essa questão me permito fazer alguns apontamentos, que não são considerações finais, muito menos conclusões, apenas algumas analogias que julgo pertinentes.

Vejam: a língua falada é um conjunto de signos que nos serve como forma de comunicação, que ao serem combinados tornam possíveis a emissão de sons que geram sentido. Da mesma forma fazemos combinações de signos visuais através da moda e produzimos diferentes discursos. O interessante é que a língua, assim como a moda possui convenções que regem nossas relações comunicativas com os outros, consequentemente tornando a nossa vida essa que conhecemos.

Devido a essas semelhanças entre a moda e a língua, para evidenciar algumas das questões levantadas anteriormente separei tipos de convenções em dois grupos básicos, pois eles são comuns tanto no sistema de organização dos signos da língua quanto no da moda. Assim denominei os grupos de convenções de construção e convenções de ocasião.

As Convenções

A convenção de construção da língua falada pode ser observada, por exemplo, quando seguimos a regra sujeito + verbo e construímos uma oração como “Ela escreve”. Essa convenção de construção deu origem a uma frase que comunica o fato de uma pessoa do sexo feminino escrever ou ter capacidade para realizar tal ato.

Já no caso da convenção de ocasião da língua falada posso citar o exemplo em que uma pessoa chega a algum lugar combinado e encontra com outra com quem havia marcado. Nesse caso os indivíduos da hipotética situação podem se cumprimentar dizendo “olá!” ou algo com esse sentido. Porém essas pessoas não poderiam dizer “tchau!” ou algo com esse significado de despedida se acabaram de chegar a um encontro e desejam se saudar e depois permanecer ali juntas, conversando.

As convenções da moda podem partir desses mesmos princípios relativos aos sentidos que queremos expressar, enfatizando o seu potencial como forma de comunicação. Exemplificando essa ideia digo que vestir top + bottom + par de sapatos, ou deixando ainda mais claro, baby look + calça + par de tênis, pode ser encarado como uma convenção de construção da moda. Digo isso, pois uma pessoa em circunstâncias normais, em tese não veste ao mesmo tempo três calças jeans, oito baby looks e um tênis diferente de cada par para trabalhar. Não que não seja possível se vestir assim, mas ninguém se veste dessa forma normalmente apenas pelo fato de haver convenções que determinam como construir uma combinação de peças de roupa que comuniquem essa nossa normalidade, tornando possível veicular sem interferências outras mensagens. O mesmo acontece com a língua falada, por exemplo, podemos querer oferecer um suco, e decidimos perguntar sem hesitação para alguém: “você aceita um suco de copo?” é possível combinar signos que reproduzam esses sons, mas a frase construída não será compreendida como uma mensagem normal, sem interferências de sentido, assim como no caso exposto em relação às roupas.

Quanto à convenção de ocasião existente na moda darei o seguinte exemplo, dessa vez baseado em fatos reais…

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook ao visitar Wall Street procurando por apoiadores no processo de levar sua empresa a vender ações na Bolsa de Valores. Observem: ele veste como de costume o seu já icônico moletom de gorro (no detalhe da imagem: Steve Jobs e Bill Gates, na idade do Mr. Facebook)

O jovem Mark causou burburinhos entre comentaristas financeiros dos EUA ao aparecer para reuniões sem terno e gravata. Estamos falando de um mundo que pede por esses trajes formais por conta da convenção de que esse tipo de vestimenta confere significações desejáveis aos homens de negócios, como respeitabilidade e credibilidade, tornando por convenção esse o uniforme oficial de homens de respeito e bem sucedidos.

Exatamente por isso houveram narizes torcidos para a roupa vestida por Zuckerberg, supostamente inadequada para a ocasião. Mas se pararmos para pensar Steve Jobs e Bill Gates (também inseridos na imagem), além de bem sucedidos em negócios inovadores, têm em comum com Mark o fato de que apesar do sucesso que envolve suas imagens, eles são vistos como nerds, de jeans e moletom, que ainda assim foram recebidos por homens de terno e gravata com honrarias. Afinal, quem teria recusado um encontro de negócios com algum deles por causa de suas roupas? É como se o sucesso dos negócios desses homens fosse automaticamente associado à imagem deles vestindo trajes mais informais do que terno e gravata. Por isso, Mark veste moletom como sempre fez, mas quando aparece na Wall Street com seu modelito de sempre há repercussão, pois é uma convenção de ocasião da moda se vestir formalmente nesse centro financeiro.

Agora reparem na imagem a seguir:

O mesmo Mark Zuckerberg em outra ocasião: seu casamento com Priscilla Chan. Ele apareceu de moletom no reino dos engravatados, mas em seu casamento se veste formalmente. Contraditório? No meu ponto de vista não. Afinal ocasiões referentes à sua empresa conhecida pelo seu sucesso ao estilo jovem e inovador, típico do ramo da internet combinam com roupas despojadas, um símbolo introduzido como aceito na moda por conta das aparições de Bill Gates. Porém, Zuckerberg em seu casamento acabou adotando o traje formal por conta dos signos de respeitabilidade e importância, já que se trata de um compromisso firmado em tese para a vida toda, que envolve questões culturais simbólicas tão veneradas.

Com esses exemplos do Mark Zuckerberg relativos à moda, demonstrei como se dá a adaptação de signos dependendo do sentido da mensagem que se almeja transmitir em determinada ocasião. Na língua falada isso também acontece. Por exemplo, entendendo o uso da vírgula como uma pausa na fala, um homem pode dizer: “Se o homem soubesse o valor que tem, a mulher andaria de quatro à sua procura”, Já uma mulher poderá dizer: “Se o homem soubesse o valor que tem a mulher, andaria de quatro à sua procura”. Ou seja, as frases foram adaptadas ao sentido que se quis dar a elas em diferentes ocasiões.

Perceberam como convenções de ocasião e construção são possíveis tanto na moda quanto na língua? Reflexões e exemplos à parte, na verdade espero não esclarecer os questionamentos feitos, mas sim de alguma forma ter chamado atenção para essas curiosidades e para os porquês da moda influenciar o nosso cotidiano com suas convenções que seguimos cegamente para sermos aceitos, ou tentamos romper para impor nossa individualidade.

Para saber mais:

  • Não pretendo perder o hábito de indicar a leitura de obras que inspiram os meus textos, mas hoje indico apenas uma observação mais atenta às influências que as roupas e a moda como um todo exercem sobre nós diariamente em nossas vidas, pois é perfeitamente possível refletir sobre aspectos da moda que influenciam o comportamento das pessoas ao observar o nosso cotidiano, atividade que confesso ser um dos meus passa tempos preferidos, e recomendo sem contra indicações.
Amanda Prado

Amanda Prado

Vinte e um anos, mineira, viveu no interior do Rio de Janeiro desde sempre até que a partir de 2011 se aventurou a morar em terras paranaenses para estudar Moda na Universidade Estadual de Maringá (UEM), mais especificamente em Cianorte, onde concluiu o curso de Moda em 2015, e não satisfeita, aproveitou a deixa e se formou em 2013 como técnica em vestuário pelo SENAI. Apaixonada por pesquisas acadêmicas, moda e áreas afins, mas acima de tudo consciente da necessidade da fomentação do campo de saber da moda.

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