Qual é identidade da Moda Brasileira?

Por Henrique Cabral

“O ser solitário por excelência é aquele que não se reconhece entre os seus.”

Entre os dias 14 e 23 de abril deste ano esteve no Brasil a curadora do Museu de Moda da Antuérpia Karen Van Goetsenhoven. Um dos motivos de sua visita foi para falar para empresários brasileiros sobre identidade de moda, com base na sua experiência como curadora do MoMu.

Sua visita levantou um tema recorrente na mídia nacional sobre qual seria, afinal de contas, a identidade da moda brasileira. Ela mesma não teve respostas para esta questão.

Vamos fazer uma análise breve do cenário atual da moda em três regiões:

belgica

Londres

Londres

Paris

Conseguiu estabelecer as similaridades? Conseguiu identificar as características de cada país? Pois então…

Em 1999, num bate-papo com internautas o estilista brasileiro Ocimar Versolato afirmou: “a globalização quebrou todas as paredes que existiam. hoje não se fala de moda regional e sim de moda mundial.”

Embora seja uma figura controversa do mundo da moda, Versolato estava certo ao afirmar isto.

Analisemos do ponto de vista que o Brasil já era um país globalizado desde o século 19 com as chegadas freqüentes de imigrantes não portugueses carregados com suas culturas características e misturando-as com a dos portugueses natos, brasileiros, índios e negros que aqui já se encontravam.

Cada uma destas etnias, eslava, alemã, holandesa seguiu em maior quantidade para uma região do país. Hoje pouco se compreende quais as características herdadas desta mistura estão presentes no nosso dia-a-dia, o quanto estão implícitas em nossas decisões em usar uma combinação vermelha e verde, ou uma simples bata branca. Não percebemos o combinado cultural criado pelo convívio com as mesmas pessoas durante gerações, nossa família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho e estudo.

Quando pensamos que apesar de sermos brasileiros, temos diferenças quase astronômicas entre nós e quem que vive em outro estado, compostas por histórias tão diversas da nossa, devido a etnia, posição social, clima e costumes alimentares, como podemos falar em algo do tipo “identidade da moda brasileira”?

Até a década de 80, todos queriam fazer parte de um grupo e estes se identificavam por estilos que muitas vezes dependiam de uma etiqueta, Fiorucci, United Colors of Benneton, Carmin, Levi´s eram algumas das marcas padronizavam as pessoas conferindo-lhes um status coletivo.

benetton

Foi a partir do nascimento do Phytoervas Fashion em 1993 que o conceito de moda nacional passou a ganhar importância na mídia nacional e com isso a possibilidade da criação de uma nova identidade brasileira de moda partindo de designers brasileiros.

Com a ascensão de nomes como Alexandre Herchcovitch, Glória Coelho, Reinaldo Lourenço, Ronaldo Fraga e Walter Rodrigues, viu-se uma grande oportunidade de fazer com que a moda feita aqui, conquistasse espaço nos grandes centros de moda do mundo, Paris, Milão, Tóquio, Nova Iorque.

Já perceberam que nós brasileiros temos a mania de fazer “coisas para inglês ver”?

Pois então, enquanto Phytoervas Fashion evoluiu e abriu caminho para o maior evento de moda do país, a São Paulo Fashion Week, a mídia internacional passou a fazer propaganda da moda brasileira para o mundo, mas enquanto aqui nós ficávamos (e ainda ficamos) entusiasmados com a capacidade criativa de nossos Designers, o mundo esperava algo com mais brasilidade.

Ranço de um conhecimento limitado de nossa cultura baseada em Carmem Miranda, Zé Carioca, Tom Jobim e Sargentelli que sempre venderam a imagem do Brasil baseados nas praias, mulatas, araras, micos e bananas, o mercado internacional não deseja do Brasil seu design contemporâneo ou sua tecnologia têxtil.

carmen

Enquanto o foco destes novos designers se voltava unicamente pro mercado interno, tudo estava bem, o problema passou a tomar proporções maiores quando exatamente levados pelo desejo de ampliação global das operações, estas marcas colocaram seus produtos à venda em lojas de departamento ou mesmo quiosques, em grandes centros comerciais americanos, europeus e japoneses e se descobriu que lá fora não despertavam o mesmo interesse que aqui. Exatamente pelo motivo de que, ao apresentar uma etiqueta Made in Brazil, os consumidores estrangeiros esperavam carregar consigo aquelas referências regionais que nos fizeram (e ainda fazem) conhecidos no mundo inteiro.

Isto se confirma em feiras internacionais de moda. Afinal de contas porque empresários estrangeiros se interessariam por uma alfaiataria perfeita de uma marca brasileira se já existem Gucci e Prada fazendo isso com maestria na Europa? Ou porque desejariam estampas e design irreverentes quando Dolce & Gabana e Marc Jacobs também o fazem.

Compreendo que o desejo de crescimento, inerente a todo e qualquer empresário, aliado ao tempo no qual globalização é a regra, somados à uma Síndrome de Ícaro causaram em parte esta problemática acerca de como expandir os negócios para além das fronteiras nacionais, sem perder com isso o cliente interno brasileiro. Convenhamos que a maioria de nós não possui em seus guarda-roupas nenhuma peça com estas referências tupiniquins. Não consumiríamos tais produtos unicamente para ajudar “nossas marcas” a fazer sucesso no exterior, vendendo mais do mesmo do que o mercado já produziu com essa imagem brasileira limitada e irreal.

tupiniquim

Portanto acredito que o Brasil deve assumir sua posição enquanto país plural, multiétnico, multicultural, descentralizado, contemporâneo e em alguns casos até vanguardista, mostrando com isso que cultura brasileira sempre foi “global mesmo localmente”.

Assumir esta postura extrapola os conceitos padronizados de estilo que são identificados unicamente em países como a França, Itália e Inglaterra ou mesmo a Bélgica. Países com dimensões geogáficas incomparáveis com a nossa dimensão continental, e com história milenar em detrimento da nossa infância nacional cronológica.

O Brasil tem de deixar de lado essa postura de seguidora de tendências e referências para só assim crescer e aparecer de fato no que diz respeito ao potencial de seus criadores de moda.

Um passo neste sentido já foi dado com a alteração do Calendário de Eventos de Moda Brasileiro, mas este já é outro assunto…

Henrique Cabral

Henrique Cabral

Produtor Executivo e Gráfico de Moda tendo produzido campanhas no Brasil e no Exterior. Acredita que o vestuário é uma das das formas de comunicação não verbal mais fortes da sociedade.

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Por Henrique Cabral

“O ser solitário por excelência é aquele que não se reconhece entre os seus.”

Entre os dias 14 e 23 de abril deste ano esteve no Brasil a curadora do Museu de Moda da Antuérpia Karen Van Goetsenhoven. Um dos motivos de sua visita foi para falar para empresários brasileiros sobre identidade de moda, com base na sua experiência como curadora do MoMu.

Sua visita levantou um tema recorrente na mídia nacional sobre qual seria, afinal de contas, a identidade da moda brasileira. Ela mesma não teve respostas para esta questão.

Vamos fazer uma análise breve do cenário atual da moda em três regiões:

belgica

Londres

Londres

Paris

Conseguiu estabelecer as similaridades? Conseguiu identificar as características de cada país? Pois então…

Em 1999, num bate-papo com internautas o estilista brasileiro Ocimar Versolato afirmou: “a globalização quebrou todas as paredes que existiam. hoje não se fala de moda regional e sim de moda mundial.”

Embora seja uma figura controversa do mundo da moda, Versolato estava certo ao afirmar isto.

Analisemos do ponto de vista que o Brasil já era um país globalizado desde o século 19 com as chegadas freqüentes de imigrantes não portugueses carregados com suas culturas características e misturando-as com a dos portugueses natos, brasileiros, índios e negros que aqui já se encontravam.

Cada uma destas etnias, eslava, alemã, holandesa seguiu em maior quantidade para uma região do país. Hoje pouco se compreende quais as características herdadas desta mistura estão presentes no nosso dia-a-dia, o quanto estão implícitas em nossas decisões em usar uma combinação vermelha e verde, ou uma simples bata branca. Não percebemos o combinado cultural criado pelo convívio com as mesmas pessoas durante gerações, nossa família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho e estudo.

Quando pensamos que apesar de sermos brasileiros, temos diferenças quase astronômicas entre nós e quem que vive em outro estado, compostas por histórias tão diversas da nossa, devido a etnia, posição social, clima e costumes alimentares, como podemos falar em algo do tipo “identidade da moda brasileira”?

Até a década de 80, todos queriam fazer parte de um grupo e estes se identificavam por estilos que muitas vezes dependiam de uma etiqueta, Fiorucci, United Colors of Benneton, Carmin, Levi´s eram algumas das marcas padronizavam as pessoas conferindo-lhes um status coletivo.

benetton

Foi a partir do nascimento do Phytoervas Fashion em 1993 que o conceito de moda nacional passou a ganhar importância na mídia nacional e com isso a possibilidade da criação de uma nova identidade brasileira de moda partindo de designers brasileiros.

Com a ascensão de nomes como Alexandre Herchcovitch, Glória Coelho, Reinaldo Lourenço, Ronaldo Fraga e Walter Rodrigues, viu-se uma grande oportunidade de fazer com que a moda feita aqui, conquistasse espaço nos grandes centros de moda do mundo, Paris, Milão, Tóquio, Nova Iorque.

Já perceberam que nós brasileiros temos a mania de fazer “coisas para inglês ver”?

Pois então, enquanto Phytoervas Fashion evoluiu e abriu caminho para o maior evento de moda do país, a São Paulo Fashion Week, a mídia internacional passou a fazer propaganda da moda brasileira para o mundo, mas enquanto aqui nós ficávamos (e ainda ficamos) entusiasmados com a capacidade criativa de nossos Designers, o mundo esperava algo com mais brasilidade.

Ranço de um conhecimento limitado de nossa cultura baseada em Carmem Miranda, Zé Carioca, Tom Jobim e Sargentelli que sempre venderam a imagem do Brasil baseados nas praias, mulatas, araras, micos e bananas, o mercado internacional não deseja do Brasil seu design contemporâneo ou sua tecnologia têxtil.

carmen

Enquanto o foco destes novos designers se voltava unicamente pro mercado interno, tudo estava bem, o problema passou a tomar proporções maiores quando exatamente levados pelo desejo de ampliação global das operações, estas marcas colocaram seus produtos à venda em lojas de departamento ou mesmo quiosques, em grandes centros comerciais americanos, europeus e japoneses e se descobriu que lá fora não despertavam o mesmo interesse que aqui. Exatamente pelo motivo de que, ao apresentar uma etiqueta Made in Brazil, os consumidores estrangeiros esperavam carregar consigo aquelas referências regionais que nos fizeram (e ainda fazem) conhecidos no mundo inteiro.

Isto se confirma em feiras internacionais de moda. Afinal de contas porque empresários estrangeiros se interessariam por uma alfaiataria perfeita de uma marca brasileira se já existem Gucci e Prada fazendo isso com maestria na Europa? Ou porque desejariam estampas e design irreverentes quando Dolce & Gabana e Marc Jacobs também o fazem.

Compreendo que o desejo de crescimento, inerente a todo e qualquer empresário, aliado ao tempo no qual globalização é a regra, somados à uma Síndrome de Ícaro causaram em parte esta problemática acerca de como expandir os negócios para além das fronteiras nacionais, sem perder com isso o cliente interno brasileiro. Convenhamos que a maioria de nós não possui em seus guarda-roupas nenhuma peça com estas referências tupiniquins. Não consumiríamos tais produtos unicamente para ajudar “nossas marcas” a fazer sucesso no exterior, vendendo mais do mesmo do que o mercado já produziu com essa imagem brasileira limitada e irreal.

tupiniquim

Portanto acredito que o Brasil deve assumir sua posição enquanto país plural, multiétnico, multicultural, descentralizado, contemporâneo e em alguns casos até vanguardista, mostrando com isso que cultura brasileira sempre foi “global mesmo localmente”.

Assumir esta postura extrapola os conceitos padronizados de estilo que são identificados unicamente em países como a França, Itália e Inglaterra ou mesmo a Bélgica. Países com dimensões geogáficas incomparáveis com a nossa dimensão continental, e com história milenar em detrimento da nossa infância nacional cronológica.

O Brasil tem de deixar de lado essa postura de seguidora de tendências e referências para só assim crescer e aparecer de fato no que diz respeito ao potencial de seus criadores de moda.

Um passo neste sentido já foi dado com a alteração do Calendário de Eventos de Moda Brasileiro, mas este já é outro assunto…

Henrique Cabral

Henrique Cabral

Produtor Executivo e Gráfico de Moda tendo produzido campanhas no Brasil e no Exterior. Acredita que o vestuário é uma das das formas de comunicação não verbal mais fortes da sociedade.

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