O Penico e a Nova Arte – Parte I

Por Carol Zanelatto

Quando Marcel Duchamp colocou o penico em um expositor e o levou até a galeria, ele poderia ser considerado tudo, menos louco. Colocar um objeto industrial em uma galeria mostrou que só é preciso a coisa estar lá para ser reconhecida como tal. Os Ready-Mades confirmam: muito mais do que o material, a arte exige a manipulação das ideias.

E foi, assim, o objeto de arte pela primeira vez questionado.

O fato é que ao entender um objeto industrial como arte, além de abrir as portas para a arte contemporânea, Duchamp deu também ao design – acidentalmente ou não – uma posição no meio artístico.

Marcel Duchamp – Ready-Made e Urinol

Quando a revolução russa estourou e os sovietes tomaram o poder em 1917, existia no comunismo russo, de modo geral, um discurso em defesa da arte e cultura para o povo. Isso pressupõe, primeiro, uma critica direta à pintura de cavalete – tanto por estar na galeria, “o espaço elitizado”, quanto por não permitir reproduções – e segundo, a defesa, de certa forma, dos meios de reprodução em massa – que garantiriam acesso a toda a população. Sendo assim, a expressão artística e espontânea, a arte nas ruas, era o caminho a ser seguido.

Logo ali, quando a Bauhaus foi fundada em 1919 em Weimar, e seus laboratórios comportavam um mestre artesão e um artista, a proposta era clara: consolidar a arte no povo.

O abandono às instituições e a apropriação do espaço público é um discurso herdeiro desse tempo e que veio se arrastando na história ao longo do século XX, até se consolidar na arte conceitual das décadas de 60 e 70.

60’ – performances de arte conceitual em NY, grupo FLUXUS

Assim, com a valorização da ideia em relação à obra, é nesse momento que essa arte sai definitivamente do cavalete e passa para o tridimensional – instalações, happenings, performances – Junto com isso, a crítica à instituição. No Brasil, não foi diferente; e, visto a situação em que o país se encontrava, a liberdade de expressão torna-se quase uma utopia, e a arte conceitual se apresentava como uma espécie de solução/fuga.

70’ – a arte conceitual brasileira é carregada de apelo político, Cildo Meireles e Frederico de Morais

Quando Frederico de Morais se apropriou do espaço externo do MAM em 1971, ele queria levar a arte para as ruas e inseri-la no cotidiano da população, entendendo que todas as pessoas são inatamente criativas e só não exercem essa criação se são impedidas, de alguma forma.

Os Domingos da Criação discutiam o próprio conceito de domingo enquanto lazer – por 6 meses, a população do Rio de Janeiro foi convidada à exercer atividades criativas em seus fins de semana ao invés do seu lazer convencional, MAM 1971

“Por isso nada mais natural que os construtivos brasileiros tentassem levar os princípios que orientavam os trabalhos de fruição e de especulação, em geral restritos em espaços museológicos, para as ruas, através de projetos arquitetônicos, cartazes, logos, estamparias para tecido e projeto de embalagens”. Name, 2008

Tanto do ponto de vista da arte quanto do design, esse adeus às instituições está relacionado com a ideia de conquistar um espaço maior. 

Em contrapartida, nesses meados, muitos artistas disseram “abandonar a arte” para entrar em um campo que julgavam ser socialmente mais efetivo. Ouvindo a expressão “Basta de arte”, de seu mentor Otl Aicher, Wollner decidiu abandonar o campo das artes e voltar-se ao design.

“Se deixei a pintura foi porque desejava um diálogo não com dez, mas com mil ou um milhão de pessoas, entre outras razões.”

Wollner, 1998

Movimento, 1955, Alexandre Wollner

Na Itália, Joe Colombo também seguiu seu mentor, Bruno Munari. Porém, Colombo não apenas seguiu o design, como mudou seu plano de direção no que chamou de “anti-design”.

Em relação a isso, parece que Joe Colombo foi um dos primeiros a dizer que o design é o campo a partir do qual é possível repensar o mundo – e parece também que foi trucidado por dizer tais coisas.

“Ele foi o primeiro a explicar que o design é o campo a partir do qual é possível repensar o mundo. Ele foi trucidado por todos por ter dito tais coisas!”

Midal, 2009

Carol Zanelatto

Carol Zanelatto

é estudante de Design de Produto da UFPR e mantém um caso de amor entre tantas outras coisas, com você, o mundo, a arte e a CORDe Curitiba

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Por Carol Zanelatto

Quando Marcel Duchamp colocou o penico em um expositor e o levou até a galeria, ele poderia ser considerado tudo, menos louco. Colocar um objeto industrial em uma galeria mostrou que só é preciso a coisa estar lá para ser reconhecida como tal. Os Ready-Mades confirmam: muito mais do que o material, a arte exige a manipulação das ideias.

E foi, assim, o objeto de arte pela primeira vez questionado.

O fato é que ao entender um objeto industrial como arte, além de abrir as portas para a arte contemporânea, Duchamp deu também ao design – acidentalmente ou não – uma posição no meio artístico.

Marcel Duchamp – Ready-Made e Urinol

Quando a revolução russa estourou e os sovietes tomaram o poder em 1917, existia no comunismo russo, de modo geral, um discurso em defesa da arte e cultura para o povo. Isso pressupõe, primeiro, uma critica direta à pintura de cavalete – tanto por estar na galeria, “o espaço elitizado”, quanto por não permitir reproduções – e segundo, a defesa, de certa forma, dos meios de reprodução em massa – que garantiriam acesso a toda a população. Sendo assim, a expressão artística e espontânea, a arte nas ruas, era o caminho a ser seguido.

Logo ali, quando a Bauhaus foi fundada em 1919 em Weimar, e seus laboratórios comportavam um mestre artesão e um artista, a proposta era clara: consolidar a arte no povo.

O abandono às instituições e a apropriação do espaço público é um discurso herdeiro desse tempo e que veio se arrastando na história ao longo do século XX, até se consolidar na arte conceitual das décadas de 60 e 70.

60’ – performances de arte conceitual em NY, grupo FLUXUS

Assim, com a valorização da ideia em relação à obra, é nesse momento que essa arte sai definitivamente do cavalete e passa para o tridimensional – instalações, happenings, performances – Junto com isso, a crítica à instituição. No Brasil, não foi diferente; e, visto a situação em que o país se encontrava, a liberdade de expressão torna-se quase uma utopia, e a arte conceitual se apresentava como uma espécie de solução/fuga.

70’ – a arte conceitual brasileira é carregada de apelo político, Cildo Meireles e Frederico de Morais

Quando Frederico de Morais se apropriou do espaço externo do MAM em 1971, ele queria levar a arte para as ruas e inseri-la no cotidiano da população, entendendo que todas as pessoas são inatamente criativas e só não exercem essa criação se são impedidas, de alguma forma.

Os Domingos da Criação discutiam o próprio conceito de domingo enquanto lazer – por 6 meses, a população do Rio de Janeiro foi convidada à exercer atividades criativas em seus fins de semana ao invés do seu lazer convencional, MAM 1971

“Por isso nada mais natural que os construtivos brasileiros tentassem levar os princípios que orientavam os trabalhos de fruição e de especulação, em geral restritos em espaços museológicos, para as ruas, através de projetos arquitetônicos, cartazes, logos, estamparias para tecido e projeto de embalagens”. Name, 2008

Tanto do ponto de vista da arte quanto do design, esse adeus às instituições está relacionado com a ideia de conquistar um espaço maior. 

Em contrapartida, nesses meados, muitos artistas disseram “abandonar a arte” para entrar em um campo que julgavam ser socialmente mais efetivo. Ouvindo a expressão “Basta de arte”, de seu mentor Otl Aicher, Wollner decidiu abandonar o campo das artes e voltar-se ao design.

“Se deixei a pintura foi porque desejava um diálogo não com dez, mas com mil ou um milhão de pessoas, entre outras razões.”

Wollner, 1998

Movimento, 1955, Alexandre Wollner

Na Itália, Joe Colombo também seguiu seu mentor, Bruno Munari. Porém, Colombo não apenas seguiu o design, como mudou seu plano de direção no que chamou de “anti-design”.

Em relação a isso, parece que Joe Colombo foi um dos primeiros a dizer que o design é o campo a partir do qual é possível repensar o mundo – e parece também que foi trucidado por dizer tais coisas.

“Ele foi o primeiro a explicar que o design é o campo a partir do qual é possível repensar o mundo. Ele foi trucidado por todos por ter dito tais coisas!”

Midal, 2009

Carol Zanelatto

Carol Zanelatto

é estudante de Design de Produto da UFPR e mantém um caso de amor entre tantas outras coisas, com você, o mundo, a arte e a CORDe Curitiba

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