Entre o Direito de Marca e a Liberdade de Censura

Por Rob Batista

O último dia 20 de fevereiro marcou mais um episódio do caso Folha x FAlha, no qual o juiz de 2° instância deu decisão favorável à uma ação movida pela Folha de S. Paulo contra os jornalistas Lino e Mario Bocchini.

Em 2010, a Folha tirou do ar o conteúdo e domínio, por meio de uma liminar, do blog que a parodiava, a FAlha de S. Paulo. A justificativa era de que o blog fazia apropriação e uso indevido de sua marca, portanto violava seu direito de propriedade sobre ela. Segundo os irmãos Bocchini, o blog era uma paródia sem nenhum fim comercial que visava apenas criticar, de forma humorada, o jornal.

Assistindo ao julgamento, é possível perceber que a questão do Direito de Marca teve mais peso para a sentença do que a discussão sobre liberdade de expressão. Esse assunto é importante para nós, designers, porque nós projetamos e participamos do desenvolvimento de coisas que poderão ser protegidas por uma série de leis que dizem respeito aos direitos patrimoniais, autorais, industriais, etc, e nessas discussões conceitos como “plágio” ou “apropriação indevida” são frequentemente visitados.

Argumentos

Folha de S. Paulo

A advogada da Folha de S. Paulo, Mônica Galvão, expôs que a paródia fazia “uso de marca, conteúdo e projeto gráfico da Folha” com a intenção de confundir os leitores; que havia no blog um link da revista Carta Capital, portanto os autores estariam “utilizando o projeto gráfico da Folha para publicidade da concorrente”; que os “nomes de domínio eram extremamente similares”; e que “muito além da paródia, se trata de uma imitação”.

Irmãos Bocchini e a FAlha de S. Paulo

Em defesa dos jornalistas, o advogado Luis Borreli Neto argumentou que a Folha queria claramente “restringir a liberdade de expressão”, uma vez que o blog não tinha a intenção de fazer parecer que fosse ligado ao jornal, já que o satirizava. Lembrou a afirmação do juiz de 1° instância, de que “só um tolo apressado seria levado a crer que trata-se de um blog ligado ao jornal”, e que, se fosse pelo domínio similar “sites como UOL, Bol, AOL, jamais poderiam conviver na internet”. Afirmou também que a FAlha nunca teve banners publicitários de terceiros ou fins comerciais.

Poster com logotipo proibido e montagem feita pela FAlha

Análise

A Lei de Propriedade Industrial, que regulamenta a proteção à marcas, diz no Art. 189 que comete crime quem “(I) reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita de modo que possa induzir confusão”.

A sentença foi favorável à Folha porque, segundo o juiz, “as expressões Folha de S. Paulo e FAlha de S. Paulo são muito semelhantes”, e diz ainda que isso se daria na “cópia de logotipo, cores e exposição gráfica” da empresa. Se pautando, portanto, no texto da Lei . O que causa estranheza é ter ignorado que, como recurso semiótico, a paródia tem a imitação como elemento próprio de si mesma. Veja o que diz o Dicionário Houaiss de Lingua Portuguesa e em um artigo acadêmico sobre Elementos Semióticos nas Telenovelas:

“Paródia: obra literária, teatral, musical etc. que imita outra obra, ou os procedimentos de uma corrente artística, escola etc. com objetivo jocoso ou satírico; arremedo”

“Na análise semiótica, para existir paródia há a necessidade de ser fiel aos  elementos comparados e ter humor em sua comparação”[1].

Portanto, quando se proibe a paródia FAlha de S. Paulo de imitar ou se apropriar de referências visuais e/ou verbais do jornal, está se proibindo que a paródia exista, uma vez que ela necessita desses recursos para existir, para se concretizar. Na minha visão, portanto, a proibição de uma crítica satírica, de uma paródia, que não tinha nenhum fim comercial, evoca uma discussão sobre liberdade de expressão, não sobre Direito Marcário.

O jornal britânico Financial Times entendeu que a “resposta mal-humorada” da Folha causa um dano à sua própria reputação. Na Europa a na América do Norte,  é raro que paródias desse tipo sejam alvo de mecanismo judicial semelhante. Vale tomar exemplos como Faux News (Fox News), Not New York Times (The New York Times), entre outros.

Entre os que apoiam abertamente a FAlha  estão Marcelo Taz, Gilberto Gil, Julian Assange, e, inclusive, o relator especial da ONU para Liberdade de Expressão, Frank La Rue:

“A ironia é uma forma de expressão legítima. Não entendo porque a Folha de S. Paulo se incomodou com a iniciativa nem porque os juízes, pior ainda, aceitaram a ação. É terrível […] O acosso judicial é uma forma de limitar o trabalho de jornalistas, de censurá-los”

Conclusão

Para nós, designers, é importante conhecer a legislação sobre marcas não só para execução de trabalhos, mas também para prestar consultoria a clientes em várias situações. Já que vamos trabalhar com eles, temos também a possibilidade, mesmo que não muito direta, de estimular um ambiente em que direitos são respeitados, mas que também são capazes de entender até onde sua rigidez não censura o igual direito e a liberdade do outro.

Referências:

 

Rob Batista

Rob Batista

Rob Batista, aka Robin Hood, é paulista e estudante de Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi. Se encontra (e se perde) em Artes Visuais, Antropologia, Filosofia, Ficção Científica, entre outras coisas, e vê no design o poder de (des)construir o mundo. Suas pesquisas, observações e toda a bobagem que fala são muito menos o desejo de explicar e muito mais a tentativa de entender.

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Por Rob Batista

O último dia 20 de fevereiro marcou mais um episódio do caso Folha x FAlha, no qual o juiz de 2° instância deu decisão favorável à uma ação movida pela Folha de S. Paulo contra os jornalistas Lino e Mario Bocchini.

Em 2010, a Folha tirou do ar o conteúdo e domínio, por meio de uma liminar, do blog que a parodiava, a FAlha de S. Paulo. A justificativa era de que o blog fazia apropriação e uso indevido de sua marca, portanto violava seu direito de propriedade sobre ela. Segundo os irmãos Bocchini, o blog era uma paródia sem nenhum fim comercial que visava apenas criticar, de forma humorada, o jornal.

Assistindo ao julgamento, é possível perceber que a questão do Direito de Marca teve mais peso para a sentença do que a discussão sobre liberdade de expressão. Esse assunto é importante para nós, designers, porque nós projetamos e participamos do desenvolvimento de coisas que poderão ser protegidas por uma série de leis que dizem respeito aos direitos patrimoniais, autorais, industriais, etc, e nessas discussões conceitos como “plágio” ou “apropriação indevida” são frequentemente visitados.

Argumentos

Folha de S. Paulo

A advogada da Folha de S. Paulo, Mônica Galvão, expôs que a paródia fazia “uso de marca, conteúdo e projeto gráfico da Folha” com a intenção de confundir os leitores; que havia no blog um link da revista Carta Capital, portanto os autores estariam “utilizando o projeto gráfico da Folha para publicidade da concorrente”; que os “nomes de domínio eram extremamente similares”; e que “muito além da paródia, se trata de uma imitação”.

Irmãos Bocchini e a FAlha de S. Paulo

Em defesa dos jornalistas, o advogado Luis Borreli Neto argumentou que a Folha queria claramente “restringir a liberdade de expressão”, uma vez que o blog não tinha a intenção de fazer parecer que fosse ligado ao jornal, já que o satirizava. Lembrou a afirmação do juiz de 1° instância, de que “só um tolo apressado seria levado a crer que trata-se de um blog ligado ao jornal”, e que, se fosse pelo domínio similar “sites como UOL, Bol, AOL, jamais poderiam conviver na internet”. Afirmou também que a FAlha nunca teve banners publicitários de terceiros ou fins comerciais.

Poster com logotipo proibido e montagem feita pela FAlha

Análise

A Lei de Propriedade Industrial, que regulamenta a proteção à marcas, diz no Art. 189 que comete crime quem “(I) reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita de modo que possa induzir confusão”.

A sentença foi favorável à Folha porque, segundo o juiz, “as expressões Folha de S. Paulo e FAlha de S. Paulo são muito semelhantes”, e diz ainda que isso se daria na “cópia de logotipo, cores e exposição gráfica” da empresa. Se pautando, portanto, no texto da Lei . O que causa estranheza é ter ignorado que, como recurso semiótico, a paródia tem a imitação como elemento próprio de si mesma. Veja o que diz o Dicionário Houaiss de Lingua Portuguesa e em um artigo acadêmico sobre Elementos Semióticos nas Telenovelas:

“Paródia: obra literária, teatral, musical etc. que imita outra obra, ou os procedimentos de uma corrente artística, escola etc. com objetivo jocoso ou satírico; arremedo”

“Na análise semiótica, para existir paródia há a necessidade de ser fiel aos  elementos comparados e ter humor em sua comparação”[1].

Portanto, quando se proibe a paródia FAlha de S. Paulo de imitar ou se apropriar de referências visuais e/ou verbais do jornal, está se proibindo que a paródia exista, uma vez que ela necessita desses recursos para existir, para se concretizar. Na minha visão, portanto, a proibição de uma crítica satírica, de uma paródia, que não tinha nenhum fim comercial, evoca uma discussão sobre liberdade de expressão, não sobre Direito Marcário.

O jornal britânico Financial Times entendeu que a “resposta mal-humorada” da Folha causa um dano à sua própria reputação. Na Europa a na América do Norte,  é raro que paródias desse tipo sejam alvo de mecanismo judicial semelhante. Vale tomar exemplos como Faux News (Fox News), Not New York Times (The New York Times), entre outros.

Entre os que apoiam abertamente a FAlha  estão Marcelo Taz, Gilberto Gil, Julian Assange, e, inclusive, o relator especial da ONU para Liberdade de Expressão, Frank La Rue:

“A ironia é uma forma de expressão legítima. Não entendo porque a Folha de S. Paulo se incomodou com a iniciativa nem porque os juízes, pior ainda, aceitaram a ação. É terrível […] O acosso judicial é uma forma de limitar o trabalho de jornalistas, de censurá-los”

Conclusão

Para nós, designers, é importante conhecer a legislação sobre marcas não só para execução de trabalhos, mas também para prestar consultoria a clientes em várias situações. Já que vamos trabalhar com eles, temos também a possibilidade, mesmo que não muito direta, de estimular um ambiente em que direitos são respeitados, mas que também são capazes de entender até onde sua rigidez não censura o igual direito e a liberdade do outro.

Referências:

 

Rob Batista

Rob Batista

Rob Batista, aka Robin Hood, é paulista e estudante de Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi. Se encontra (e se perde) em Artes Visuais, Antropologia, Filosofia, Ficção Científica, entre outras coisas, e vê no design o poder de (des)construir o mundo. Suas pesquisas, observações e toda a bobagem que fala são muito menos o desejo de explicar e muito mais a tentativa de entender.

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