Ideias ao acaso

Por Dario Jofilly

Esses dias eu tive uma ideia por acaso.

Teve mesmo? Talvez uma sessão no terapeuta e uma análise profunda das suas referências e de como foram seus últimos dias possam mostrar que não. Talvez eles possam te levar exatamente à raiz dessa ideia e de como na verdade ela já existia e você só modificou um pouco.

Ou não. Talvez tenha sido mesmo completamente por acaso. Mas se foi tão ao acaso, que controle você teve sobre ela? Talvez a ideia simplesmente veio num insight, pura inspiração e nem uma gotinha de suor, contrariando Thomas Edison e tantos outros.

O que eu quero dizer com isso é de que você é um plagiador? Ou pior, um criador que depende unicamente de uma luz miraculosa? Será que eu estaria mesmo me dando o trabalho de questionar sua originalidade e sua autoria sem nem te conhecer?

Não, nada disso. Eu quero questionar é a sua noção de acaso.

E agora José

E agora José

Sorte ou azar, acidental ou aleatório, o imprevísivel está aí. Você coloca a música no shuffle, aposta jogando dados e chega na parada de ônibus com a esperança do seu ônibus estar lá, mas acaba encontrando um velho amigo. Uma das maneiras de entender essas relações é da perspectiva da nossa maravilhosa e incomensurável ignorância. Como Ronaldo Entler, professor da FAAP, afirma em Definições de Acaso:

[ … ] algo que portanto pode lhe definir uma essência, é o fato de que o acaso é sempre denominado a partir da impossibilidade de localizar as determinações de um fenômeno.

Se o dado fosse viciado, ou se seu amigo tivesse combinado com você de estar ali, ou se você soubesse exatamente como funciona seu shuffle, nada disso seria acaso, ou melhor nada disso soaria como acaso. Esses exemplos são ainda mais preciosos porque Entler ainda se debruça sobre a questão dividindo o acaso entre três categorias, quando “as causas do fenômeno são desconhecidas, as causas do fenômeno são desconexas, ou o fenômeno não possui causa”.

Tentando ser sintético com uma ilustração, a ideia é de que com os dados, nós não sabemos exatamente que ranhura na mesa ou sopro no ar foram responsáveis pelo resultado; com seu amigo, nós não sabemos o que aconteceu no dia dele e no seu dia que os levou até aquela mesma parada de ônibus no mesmo momento; e, bem, se seu shuffle funciona através de um mecanismo quântico, nem eu, nem você nem todos os melhores profissionais da física atual estabelecemos razões exatas pra esse funcionamento.

Espera um pouco

Espera um pouco

Claro que a questão é mais complexa. Exemplo disso é como essa interpretação pode acabar deslizando prum pensamento determinista que, em seu extremo, trata tudo como calculável e previsível, incluindo emoções, escolhas e ideias. Por isso, a gente pode continuar tranquilamente a dizer que temos ideias ao acaso. Se alguém perguntar, diz que você está lutando pela liberdade da escolha humana, sempre cola.

Mas aí vale lembrar que a tendência universal é rumo ao caos. A ação contínua da entropia é o exemplo máximo daquilo que é sem ordem e incompreensível ao homem. E não sou eu que diz isso, gente, é a segunda lei da termodinâmica. Como não é qualquer um que pode competir com uma lei fundante da física, temos que apelar pra ficção científica e nos referirmos ao inigualável Isaac Asimov, escritor e bioquímico citado pela Paula aqui, e cujo conto A Última Pergunta deixa toda essa discussão aqui no chinelo.

A questão então que se levanta é: se o caos é um caminho inevitável, e se não é possível compreende-lo, o que podemos fazer? Ora, abraçá-lo. E com carinho.

O caótico foi e ainda é um meio de criação de incrível expressão e a tendência é que continue assim. As vanguardas artísticas do século passado tiveram imensa relevância nesse processo e textos e mais textos foram e ainda podem ser escritos sobre essas questões na arte. Aqui irei me limitar e citar poucos, mas valiosos exemplos. O primeiro é o nosso amigo Pollock (também citado pela Paula aqui) grande expoente da action painting e do expressionismo abstrato que, bem, veja você mesmo:

 Pollock sendo o Pollock

Claro que existem outras formas de lidar com o acaso na criação, e mesmo no design podemos ver isso claramente. Sagmeister em uma entrevista sobre Design como Processo trata disso de forma bem simples ao ser questionado sobre o que pensava da relação entre acidentes e oportunidades:

Se eu aceitar o acidente, eu vou dar-lhe uma chance. Exemplo: projetos voltam “errado” da impressora. Muitas vezes errado é apenas isso, errado, mas de vez em quando errado é melhor. Se eu posso vê-lo e se o cliente ainda não aprovou “certo”.

Eu particularmente consigo mesmo ver no projeto de Sagmeister e de sua sócia, Jéssica Walsh, para a Adobe uma certa relação com o trabalho de Pollock e, de forma parecida, é possível relacionar as influências estéticas de David Carson com o gênero da glitch art. Não vou ao final do texto me adentrar nesse movimento artístico, até porque me basta a monografia que estou escrevendo sobre o assunto, mas o relevante é entender a glitch art como uma expressão estética que lida com a falha e o ruído, gerado digital ou analogicamente. Um bom exemplo é o lituânio Laimonas Zakas cuja página Glitchr é bem conhecida e que usa o próprio código do facebook como mecanismo de criação.

Trecho da descrição da página Glitchr

Trecho da descrição da página Glitchr

No fim das contas, acaso mesmo é começar uma palestra montado num triciclo. E se ninguém ainda fez isso, alguém ainda vai fazer, garanto.

 

Original da entrevista em inglês:

Do you think there’s a relationship between accidents and chance? Can you give an example from your own work? From someone else’s work?

Stefan : If I accept the accident I give it a chance. Example: Projects comes back ‘wrong’ from the printer. Often wrong is just that, wrong, but every once in a while wrong is better. If I can see it and the client has not approved ‘right’ yet.

Dario Jofilly

Dario Jofilly

Quase se formando em (quem diria?) Publicidade e Propaganda pelo curso de Comunicação Social da UnB, se pergunta como vai conseguir sobreviver e continuar estudando design, arte e imagem. Enquanto isso, aproveita a experiência única que é viver em Brasília.

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