A história e o design das bandeiras

Por Rob Batista

“E o verde representa as florestas, o azul é a imensidão do estrelado celeste brasileiro e o amarelo simboliza o ouro e as riquezas do nosso querido Brasil”. Se você foi vítima dessa “historinha para boi dormir” nos seus tempos de escola, esqueça tudo o que aprendeu sobre bandeiras. Fico surpreso que muitas pessoas acreditam realmente que esses sejam os conceitos que  fundamentaram a criação da bandeira nacional brasileira. A verdade é que as motivações que inspiraram a maioria das bandeiras ao longo da história sempre foram muito práticas e, na maioria das vezes, políticas. E esse é o assunto desse post – a história e o design das bandeiras.

Primeiro, é importante tomar nota de que não existe uma área de estudo e/ou prática do design que reclame para si a expressão “design de bandeiras”, mas sim uma área de estudo específico sobre elas, que leva em conta questões históricas, preocupações práticas e circuntâncias culturais, sem contatos ou maiores preocupações com design fora desse contexto exato. Assim, o estudo de bandeiras é chamado vexilologia e quem desenha bandeiras é um vexilógrafo.

Origem

Na Idade Média, os brasões, escudos e insígnias já representavam posse ou comando sobre um território, distinguiam famílias nobres e permitiam identificar clãs, reinos e nações ou simbolizar lemas de grupos como de piratas e caçadores. As bandeiras começam a surgir como estandartes de guerra pela necessidade de tornar mais claro quem lutava contra quem. Era mais prático pintar seu símbolo em um pedaço de pano maior, mais fácil de ser carregado e guardado e visível à distância do que em um escudo feito de metal. Os romanos chamavam esses estandartes de vexillum, daí vem o nome vexilologia. A partir daí, esses estandartes passaram a ser maiores e assumir modelos mais simples, não sendo mais apenas pedaços de pano que ostentavam brasões, mas carregavam cores simbólicas preenchidas em toda sua extensão e, aos poucos, iam se transformando em bandeiras.

A bandeira mais antiga do mundo em uso contínuo é a Dannebrog, da Dinamarca. Sua origem data de 1219 e de acordo com uma antiga tradição teria caído do céu durante a Batalha de Reval (atual Tallin, Estônia). A bandeira dinamarquesa, bem como a história de Reval, viria mais tarde a inspirar várias outras bandeiras, principalmente as nórdicas, e se tornar uma espécie de primeiro modelo europeu por sua forma e composição.

Dannebrog, bandeira da Dinamarca, a mais antigo do mundo em uso contínuo.

Modelos comuns

Não existem leis internacionais que determinem a forma como as bandeiras devam ser projetadas, mas cada país tem suas próprias regras e convenções a respeito da criação, reprodução e exposição de suas bandeiras nacionais ou subnacionais (de regiões, estados, províncias, municipalidades).

No que tange à sua forma, podemos identificar três modelos básicos: retangulares e quadradas, e o “farpado”, no caso do Nepal. Quanto à composição, também podemos identificar alguns modelos frequentes de bandeiras:

  • Cruzes – a bandeira da Dinamarca inspirou várias como as da Noruega, Finlândia, Suíça, Islândia e Geórgia.
  • Stars and Stripes – apelido da bandeira americana, que inspirou várias ao redor do mundo, inclusive o primeiro estandarte republicano dos Estados Unidos do Brasil.
  • Nobiliárquicas e tradicionais – essas bandeiras são compostas frequentemente por duas ou três faixas com cores que apenas simplificam os antigos brasões nacionais. Geralmente as cores representam as casas nobres reinantes como a da Alemanha e do Brasil, mas algumas podem expressar outras ideias, como a Tricoleur, que representava os três estamentos sociais franceses e depois se tornou símbolo da Revolução.
  • Union Jack – com a morte da rainha Elizabeth I, Inglaterra, Escócia e Irlanda passariam por um longo processo de reorganização geopolítica através de disputas e conflitos que culminariam, em 1800, com a união dos três reinos em um único país denominado Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda. Essa união política e institucional seria representada pela sobreposição das três bandeiras, gerando uma nova, a Union Jack, que inspiraria ou estaria presente em dezenas de outras dos países colonizados pelos britânicos.

As bandeiras da Inglaterra, Escócia e Irlanda formando a Union Jack do Reino Unido.

Além desses, também podemos perceber padrões pan-eslavos, pan-árabes, pan-africanos, pan-colombianos e centro-americanos.

E o verde-louro desta flâmula…

Como disse no início do post, as cores da brandeira brasileira não têm nenhuma relação com as belezas ou riquezas naturais do país, e esse mito começou a ser amplamente difundido tempos depois da Proclamação da República, quando as autoridades perceberam que o Imperador (já morto), a Princesa e a Família Imperial ainda eram os símbolos nacionais mais fortes para a maioria dos brasileiros.

A verdade é que nossa bandeira republicana foi baseada na bandeira imperial, que teoricamente nasceu com a independência. As cores simbolizam a união de duas casas reais. O verde representa a Casa de Bragança, linhagem de D. Pedro I, e o amarelo é cor da Casa de Habsburg, a qual pertencia a Imperatriz Leopoldine. O círculo azul apenas substituia o brasão imperial.

Uma descoberta do historiador português Augusto de Lima colocaria um ponto de interrogação até hoje indecifrável e que desafia a história do Brasil como a conhecemos, levantando questionamentos quanto ao real motivo que levou à criação da bandeira e sua autoria.

A primeira versão da história diz que a bandeira imperial foi encomendada por D. Pedro I a Metternich em 1823, por ocasião da Independência. Mas o historiador português descobriu em 1940, nos arquivos pessoais do rei, um projeto de bandeira de 1820 ,ou seja, antes da Independência, encomendada por D. João VI, a Debret, quase idêntica à bandeira do Império que viria e que já expressava uma ideia emancipacionista. A única diferença é que no lugar do laço que une os ramos havia um dragão, símbolo da Casa de Bragança. Isso revela que o dragão já havia sido pensado como um dos nossos primeiros símbolos nacionais e que essa bandeira verde com o losango dourado não foi criado por ocasião da independência, mas antes dela, e por alguém que (teoricamente) não deveria desejá-la. O motivo desse projeto de D. João VI, que ficou escondido por mais de um século, é, até hoje, um mistério.

1 – projeto de D. João VI desconhecido até 1940; 2 – bandeira do Segundo Reinado; 3 – atual versão da bandeira da República.

Referências:

Rob Batista

Rob Batista

Rob Batista, aka Robin Hood, é paulista e estudante de Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi. Se encontra (e se perde) em Artes Visuais, Antropologia, Filosofia, Ficção Científica, entre outras coisas, e vê no design o poder de (des)construir o mundo. Suas pesquisas, observações e toda a bobagem que fala são muito menos o desejo de explicar e muito mais a tentativa de entender.

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Por Rob Batista

“E o verde representa as florestas, o azul é a imensidão do estrelado celeste brasileiro e o amarelo simboliza o ouro e as riquezas do nosso querido Brasil”. Se você foi vítima dessa “historinha para boi dormir” nos seus tempos de escola, esqueça tudo o que aprendeu sobre bandeiras. Fico surpreso que muitas pessoas acreditam realmente que esses sejam os conceitos que  fundamentaram a criação da bandeira nacional brasileira. A verdade é que as motivações que inspiraram a maioria das bandeiras ao longo da história sempre foram muito práticas e, na maioria das vezes, políticas. E esse é o assunto desse post – a história e o design das bandeiras.

Primeiro, é importante tomar nota de que não existe uma área de estudo e/ou prática do design que reclame para si a expressão “design de bandeiras”, mas sim uma área de estudo específico sobre elas, que leva em conta questões históricas, preocupações práticas e circuntâncias culturais, sem contatos ou maiores preocupações com design fora desse contexto exato. Assim, o estudo de bandeiras é chamado vexilologia e quem desenha bandeiras é um vexilógrafo.

Origem

Na Idade Média, os brasões, escudos e insígnias já representavam posse ou comando sobre um território, distinguiam famílias nobres e permitiam identificar clãs, reinos e nações ou simbolizar lemas de grupos como de piratas e caçadores. As bandeiras começam a surgir como estandartes de guerra pela necessidade de tornar mais claro quem lutava contra quem. Era mais prático pintar seu símbolo em um pedaço de pano maior, mais fácil de ser carregado e guardado e visível à distância do que em um escudo feito de metal. Os romanos chamavam esses estandartes de vexillum, daí vem o nome vexilologia. A partir daí, esses estandartes passaram a ser maiores e assumir modelos mais simples, não sendo mais apenas pedaços de pano que ostentavam brasões, mas carregavam cores simbólicas preenchidas em toda sua extensão e, aos poucos, iam se transformando em bandeiras.

A bandeira mais antiga do mundo em uso contínuo é a Dannebrog, da Dinamarca. Sua origem data de 1219 e de acordo com uma antiga tradição teria caído do céu durante a Batalha de Reval (atual Tallin, Estônia). A bandeira dinamarquesa, bem como a história de Reval, viria mais tarde a inspirar várias outras bandeiras, principalmente as nórdicas, e se tornar uma espécie de primeiro modelo europeu por sua forma e composição.

Dannebrog, bandeira da Dinamarca, a mais antigo do mundo em uso contínuo.

Modelos comuns

Não existem leis internacionais que determinem a forma como as bandeiras devam ser projetadas, mas cada país tem suas próprias regras e convenções a respeito da criação, reprodução e exposição de suas bandeiras nacionais ou subnacionais (de regiões, estados, províncias, municipalidades).

No que tange à sua forma, podemos identificar três modelos básicos: retangulares e quadradas, e o “farpado”, no caso do Nepal. Quanto à composição, também podemos identificar alguns modelos frequentes de bandeiras:

  • Cruzes – a bandeira da Dinamarca inspirou várias como as da Noruega, Finlândia, Suíça, Islândia e Geórgia.
  • Stars and Stripes – apelido da bandeira americana, que inspirou várias ao redor do mundo, inclusive o primeiro estandarte republicano dos Estados Unidos do Brasil.
  • Nobiliárquicas e tradicionais – essas bandeiras são compostas frequentemente por duas ou três faixas com cores que apenas simplificam os antigos brasões nacionais. Geralmente as cores representam as casas nobres reinantes como a da Alemanha e do Brasil, mas algumas podem expressar outras ideias, como a Tricoleur, que representava os três estamentos sociais franceses e depois se tornou símbolo da Revolução.
  • Union Jack – com a morte da rainha Elizabeth I, Inglaterra, Escócia e Irlanda passariam por um longo processo de reorganização geopolítica através de disputas e conflitos que culminariam, em 1800, com a união dos três reinos em um único país denominado Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda. Essa união política e institucional seria representada pela sobreposição das três bandeiras, gerando uma nova, a Union Jack, que inspiraria ou estaria presente em dezenas de outras dos países colonizados pelos britânicos.

As bandeiras da Inglaterra, Escócia e Irlanda formando a Union Jack do Reino Unido.

Além desses, também podemos perceber padrões pan-eslavos, pan-árabes, pan-africanos, pan-colombianos e centro-americanos.

E o verde-louro desta flâmula…

Como disse no início do post, as cores da brandeira brasileira não têm nenhuma relação com as belezas ou riquezas naturais do país, e esse mito começou a ser amplamente difundido tempos depois da Proclamação da República, quando as autoridades perceberam que o Imperador (já morto), a Princesa e a Família Imperial ainda eram os símbolos nacionais mais fortes para a maioria dos brasileiros.

A verdade é que nossa bandeira republicana foi baseada na bandeira imperial, que teoricamente nasceu com a independência. As cores simbolizam a união de duas casas reais. O verde representa a Casa de Bragança, linhagem de D. Pedro I, e o amarelo é cor da Casa de Habsburg, a qual pertencia a Imperatriz Leopoldine. O círculo azul apenas substituia o brasão imperial.

Uma descoberta do historiador português Augusto de Lima colocaria um ponto de interrogação até hoje indecifrável e que desafia a história do Brasil como a conhecemos, levantando questionamentos quanto ao real motivo que levou à criação da bandeira e sua autoria.

A primeira versão da história diz que a bandeira imperial foi encomendada por D. Pedro I a Metternich em 1823, por ocasião da Independência. Mas o historiador português descobriu em 1940, nos arquivos pessoais do rei, um projeto de bandeira de 1820 ,ou seja, antes da Independência, encomendada por D. João VI, a Debret, quase idêntica à bandeira do Império que viria e que já expressava uma ideia emancipacionista. A única diferença é que no lugar do laço que une os ramos havia um dragão, símbolo da Casa de Bragança. Isso revela que o dragão já havia sido pensado como um dos nossos primeiros símbolos nacionais e que essa bandeira verde com o losango dourado não foi criado por ocasião da independência, mas antes dela, e por alguém que (teoricamente) não deveria desejá-la. O motivo desse projeto de D. João VI, que ficou escondido por mais de um século, é, até hoje, um mistério.

1 – projeto de D. João VI desconhecido até 1940; 2 – bandeira do Segundo Reinado; 3 – atual versão da bandeira da República.

Referências:

Rob Batista

Rob Batista

Rob Batista, aka Robin Hood, é paulista e estudante de Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi. Se encontra (e se perde) em Artes Visuais, Antropologia, Filosofia, Ficção Científica, entre outras coisas, e vê no design o poder de (des)construir o mundo. Suas pesquisas, observações e toda a bobagem que fala são muito menos o desejo de explicar e muito mais a tentativa de entender.

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