Por um contemporâneo palintrópico
O problema do contemporâneo não é novidade e talvez nunca tenha sido propriamente contemporâneo. Sob o viés da história (“oficial”), desde o renascimento e a modernidade já nos preocupávamos com certa contemporaneidade – termo que não se resume a um tempo atual, mas se refere antes a um “estar junto” em tempos diferentes. Por outro lado, no âmbito do design parece haver uma exigência de nos tornarmos contemporâneos de nosso tempo e de outros tempos através de produções que, por vezes, denunciam alguns delays históricos.
A título de exemplo, podemos pensar no recente culto ao trash e a um tipo de estética do “mau gosto” (do punk aos memes da internet), cujo caráter transgressor tem sido diluído pela cultura de massa nos últimos anos. Sem forçarem muito a barra, designers e artistas procuram estabelecer paralelos com outros períodos históricos no intuito de acompanhar e intervir neste processo de legitimação estética, recorrendo a “estilos” como o gótico medieval ou o barroco.
Alguém poderá dizer que, mesmo retomando elementos do passado, os olhares sobre tais elementos nunca são os mesmos olhares de outrora e, portanto, qualquer coisa é contemporânea. A resposta mais simples a este tipo de argumento é dizer que, se tudo é contemporâneo, então nem faz sentido existir este termo. De fato, caso o contemporâneo seja dito apenas para falar do “agora”, ele é esvaziado de sentido pela própria linguagem ou discurso que busca reter e registrar o “espírito” de uma época que precisaria não mais existir para que possa ser catalogada.
No entanto, caso nossa preocupação não seja tanto o “agora”, até porque nenhuma época que conhecemos deixou de existir, podemos admitir que o contemporâneo não existe, justamente para que possamos criá-lo. Particularmente, tenho a impressão de que, como designers, devemos retomar cada vez mais o passado, mas sabendo que devemos recomeçar sempre, embora seja sempre tarde para começar algo de novo. Não se trata, portanto, de um retorno “puro”, mas de uma leitura que, como queria J. Derrida (em sua Gramatologia), possa escapar, pelo menos em seu eixo, das categorias clássicas da história.
Para responder ao dilema do processo criativo entre o “recomeçar” e o “ser surpreendido” – o autor faz um jogo de palavras em inglês com os verbos start (começar) e stratle (surpreender, espantar) –, Derrida propõe o conceito de palíntropo. Em grego, pálin quer dizer mover-se para trás e/ou fazer algo novamente. O termo palíndromo, por exemplo, significa uma palavra ou frase que começa e termina da mesma maneira, como “arara” ou “reviver”.
Palíntropo, contudo, é quando se começa diferentemente, quando nos surpreendemos ao começar novamente. Trata-se assim de uma releitura palintrópica da história a partir de uma incessante negociação entre ir e vir, entre ontem e hoje, como uma memória que se relembra de si mesma antes mesmo de ser lembrada enquanto tal. Creio que o contemporâneo não é nada além disso: uma resistência de uma memória que ainda não aconteceu, solicitando-nos um pensamento que se volta para trás por ser impensável em si mesmo.
Giorgio Agamben, em seu O que é o contemporâneo?, é contundente ao afirmar que o “verdadeiro” contemporâneo é aquele que não coincide com seu tempo, o que presume certo distanciamento para que, num fluxo desenfreado de instantes que instauram o “agora”, ainda nos restem laços de referência e de pertencimento. Sob este viés, não é que estamos vivendo o contemporâneo agora, é que o “agora” tem parecido muito “contemporâneo”.
Assim como no Renascimento, que privilegiava as várias relações simultâneas que se abrem num constante diálogo com a Antiguidade, também temos a sensação de viver num tempo entrelaçado, de modo concomitante, a outros tempos. Conforme sugeria Derrida, o nosso começo já é muito tarde, é sempre ontem. Acontece que, ao rompermos com o passado, a ele retornamos. Quer dizer, se a pergunta contemporânea parece ser “por onde devo começar novamente?”, creio que o palíntropo já esteja na própria pergunta: apenas recomecemos.
Introdução (em inglês) a Derrida e ao desconstrucionismo, por Paul Fry (Yale University)
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