IMAGENS DIGITAIS: DO TEAR AO GLITCH

Por Dario Jofilly

Quando pensamos em imagens hoje, énatural que pensemos em imagens digitais. São elas que compõe as interfaces de nossos celulares, máquinas fotográficas, computadores, todos eles dispositivos que funcionam digitalmente. Não que não existam outros tipos de imagem: ainda pintamos quadros a óleo, ainda fotografamos com máquinas analógicas, ainda imaginamos e sonhamos (dormindo ou não), mas, em sua maioria, lidamos com imagens digitais mesmo.

Era pra ter uma imagem aqui, no lugar dela, fica essa outra

Era pra ter uma imagem aqui, no lugar dela, fica essa outra

O que nos permite diferenciar essas imagens éuma questão técnica de como elas se formam. E a primeira imagem digital ocidental pode nos esclarecer bem isso. Curiosamente, não acho que a primeira imagem digital tenha sido feita por um daqueles computadores que ocupavam uma sala inteira, mas sim por algo ainda mais rústico: um tear.

Esse tear foi construído pelo inventor francês Joseph-Marie Jacquard em 1801 e, desde o início, tinha a intenção de revolucionar a maneira de se produzir tecidos. E, bem, foi o que ele fez. Assim, Jacquard éconhecido por ter inventado o primeiro tear automático que se tem ciência hoje. Ela era uma máquina capaz de coordenar sozinha o movimento das agulhas e dos fios que compõe o padrão de um tecido, sem uma constante interferência humana. Na verdade, o que Jacquard fez, basicamente, foi inserir em um tear normal algumas placas de madeira com pequenos orifícios que seguiam determinado padrão. Assim, a agulha do tear era capaz de passar pelas aberturas, mas que era incapaz de passar pelas áreas inalteradas: o movimento de tecelagem passaria a seguir o padrão estabelecido por esses cartões de madeira.

No fundo, éassim que funcionam os sistemas digitais, eles respondem a uma informação inserida previamente que define se determinada ação iráocorrer ou deixar de ocorrer, dessa forma éo sistema binário. São duas possibilidades: ou a agulha passa pelo furo, ou ela éimpedida pela madeira, ou o computador lêo dígito 1, ou lêo dígito 0. Éum jogo de sim ou não que define o que vai acontecer no futuro.

O belo aparelho digital de Jacquard

O belo aparelho digital de Jacquard

No caso do tear de Jacquard essa simples combinação binária forma um tecido complexo e por isso ele talvez seja a primeira imagem digital da história. Jáno nosso cotidiano estamos mais acostumados a lidar com aparelhos que, de certa forma, são fruto desse pontapéinicial. Nossos computadores, celulares e tablets ainda são todos movidos por essa linguagem binária de zeros e de uns, de nãos e de sins (éassim que escreve mesmo, estranho né?). Ou seja, ainda hoje as imagens digitais são resultado desse cálculo  binário, e sóassim se computam os pixels e os bytes com os quais lidamos diariamente. Como diria meu amigo programador, “todo computador éuma calculadora, sóque mais divertida”.

A culpa é desses quadradinhos ó

A culpa é desses quadradinhos ó

Do outro lado da história, do nosso lado da história, écurioso pensarmos no caso do artista estadunidense Phillip Stearns, responsável pelo projeto Glitch Textiles. Não éque ele revolucione a história da tecelagem, nem da computação, digamos que ele apenas tenta subverter um pouco as coisas. Para isso, o artista abriu uma máquina fotográfica fuleira e criou imagens mexendo dentro dela, literalmente. Com algum conhecimento dos componentes do aparelho, Phillip conectou de forma não convencional alguns de seus terminais e fez com que o cartão gráfico da máquina fosse obrigado a tentar interpretar essas conexões provocadas como uma nova imagem.

Tacar o dedo na lente não pode né_

Tacar o dedo na lente não pode né_

O legal de pensarmos é que ele usou uma máquina fotográfica digital pra fotografar imagens digitais que não eram imagens fotográficas: não eram captações de luz da realidade física e visível, e sim interpretações digitais do uso subversivo do artista. Mas o projeto não para aí, na verdade ésóo início da brincadeira. Após criar essas imagens fora do padrão, Phillip desenvolveu com elas algumas séries de tecidos, cobertores e cachecois produzidos por teares mecânicos e automáticos, netos do Tear de Jacquard. No início, o projeto foi desenvolvido dentro do TextielLab na Holanda, laboratório inovador em projetos de tecelagem, jácitado aqui pela Bruna Bonifácio, mas depois o artista voltou aos EUA aonde prossegue com essa e outras pesquisas artísticas relacionadas àarte digital.

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Por produzir tecidos a partir de ruídos digitais, Stearns gosta de enfatizar essa oposição e dizer:“glitches da fria, dura lógica dos circuitos digitais transformados em tecidos suaves, quentes”. Na verdade, éprecisamente daíque podemos notar uma relação entre Jacquard e Sterans: ambos lidaram com tecidos e com a criação de imagens digitais. Sóque, de um lado da história, a inovação criada permitiu uma automação técnica e, do outro, a subversão criada permite um questionamento técnico desses sistemas digitais. Mas, nesse sentido, o papo ainda vai longe.

~ Como disse no meu último texto, passei esses meses fazendo minha monografia sobre glitch art. O trabalho foi (e ainda estásendo) um estudo desse gênero artístico, que lida com a corrupção de imagens,  partindo de uma perspectiva da comunicação e do estudo das imagens. Para abrir a análise, elaborei uma introdução semelhante a esse texto ~

 

Referências

Dario Jofilly

Dario Jofilly

Quase se formando em (quem diria?) Publicidade e Propaganda pelo curso de Comunicação Social da UnB, se pergunta como vai conseguir sobreviver e continuar estudando design, arte e imagem. Enquanto isso, aproveita a experiência única que é viver em Brasília.

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