Elas
Her é um filme que me deixou abalada. Não só porque é o mais novo trabalho de um dos meus diretores favoritos, nem porque é de um roteiro de se aplaudir de pé. Mexeu comigo porque evidencia um tema assustadoramente atual: somos apaixonados pelas alavancas que criamos.
Vamos a uma sinopse rápida para os desavisados de plantão. Theodore (Joaquin Phoenix) é um escritor que se apaixona por um sistema operacional. Não só se apaixona, como também é correspondido por Samantha, que tem uma voz digna da Scarlett Johansson. Você pensaria que é uma loucura super trash, mas é uma fábula contemporânea poderosa.
Criamos máquinas porque nosso corpo é extremamente limitado. Elas são ferramentas que servem como simulações do corpo humano e que têm como função principal potencializar nossas capacidades. No começo, quando nossa espécie começou a criar alavancas e rodas, criávamos máquinas “estúpidas”, sem inteligência artificial. Estas são as máquinas pré industriais, feitas a partir de tentativa e erro, sem muita elaboração teórica prévia.
As máquinas industriais, por outro lado, são criadas a partir da teoria científica. Com o avanço da tecnologia, criamos ferramentas cada vez mais eficazes e, principalmente, mais inteligentes. Chegamos ao ponto de, inclusive, elaborarmos máquinas que contêm teorias do mundo orgânico. Os avanços em genética e nanotecnologia, por exemplo, poderão nos guiar para uma futura Revolução Industrial Biológica. Será a época em que uniremos a resistência do maquinário inorgânico com a inteligência do orgânico.
Samantha, o sistema operacional amante de Theodore, é uma mistura do orgânico com o inorgânico, com um quê de não-coisa. Sua voz e personalidade refletem-nos simpatia através de um reconhecimento ao semelhante, enquanto sua nascença é puramente digital, virtual. O mais intrigante de tudo é que poderíamos muito bem estar falando de um lançamento da Apple.
Isto tudo nos leva a algumas questões. Qual será o limite das máquinas? Seríamos reféns de nossas próprias criações? Qual será o contra golpe desta alavanca que criamos?
Houve uma época em que temíamos nossas criações com certeza de que elas nos trariam a danação — Frankestein e o Golem são os exemplos mitológicos disto. Há ainda quem se sinta desconfortável frente às tecnologias mais modernas, mas percorremos um caminho de verdadeiro apego às nossas alavancas. O marketing e o design nos acostumaram com a tecnologia a tal ponto de transformá-la em objeto de desejo. As máquinas nos confortam e tornam nossa vida mais fácil de uma maneira que é praticamente impossível não pensar nas Três Leis da Robótica de Isaac Asimov, princípios criados para controlar e limitar os comportamentos dos robôs que abordava em seus livros de ficção científica. Estas regras aplicam-se ao nosso dia a dia — e provavelmente servirão ao nosso futuro.
- 1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
- 2ª Lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
- 3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.
Fizemos de nossas ferramentas nossos companheiros. Confiamos que nos ajudarão, que tornarão nossa vida mais fácil e estarão lá nos esperando para o que der e vier. Resta saber se criaremos máquinas pacientes e tolerantes com as limitações humanas.
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