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A Indumentária gaúcha e a sua influência na moda
A valorização do conhecimento dos vestuários de diferentes culturas influenciou a moda. Na segunda metade da década de 1960 e início dos anos 1970, esta influência se tornou uma tendência acentuada, conforme estilistas mesclavam traços étnicos em suas coleções. (MACKENZIE, 2010, p.102)
A partir de 1865 definiu-se a indumentária do gaucho atual. Chapéu de couro ou e feltro de abas largas, o poncho sobre os ombros, o lenço, uma camisa de lã. Na cintura a guaiaca, cinto largo onde traz a faca, a bombacha, calça larga e apertada no tornozelo, as botas com “chilenas” (esporas de rosetas grandes), e finalmente ao pulso, a presilha do rebenque da várias tiras, não esquecendo do laço de couro de burro.
Historicamente, a indumentária gaúcha é uma mistura das vestes indígenas somadas as do colonizador europeu, principalmente o ibérico. Ao passo que ibéricos e indígenas mestiçavam-se, suas culturas também começavam a mesclar-se, originando assim o tipo humano vivente das estepes pampeanas. (FLORES, 2007, p. 3).
Este homem que “surgia”, além de estar totalmente ambientado em seu território natural, ora entre índios, ora entre europeus, passou a ser o verdadeiro fruto de uma terra, a simbiose perfeita. (FLURY, 1951, p. 117).
Em primeiro momento, a vestimenta do homem gaúcho não passava de um chiripá de couro (ao modo indígena), uma camisa de algodão herdada de algum europeu, seu chapéu de couro cru – chamado de chapéu pança de burro – suas botas de garrão (chamada assim porque eram feitas a partir do couro retirado das patas traseiras de animais como cavalos, mulas e bovinos, quando estes já se encontravam mortos) e o pala, igualmente indígena, por vezes feito da lã dos guanacos e lhamas no caso dos gaúchos da pampa argentina, ou em forma de capa, feita do couro de animais diversos (mais utilizado no Uruguai e Rio Grande do Sul). (GOLIN, 1999, p. 96).
Um autêntico gaúcho (habitante dos pampas da América do Sul) e look da coleção de inverno de Donna Karan. A pilcha – como é chamada a indumentária típica dos gaúchos – serviu de inspiração para algumas coleções apresentadas na ultima NYFW. Nesse look de Donna Karan é possível ver claramente algumas referências à pilcha: esse “pano” enrolado nas pernas chamado de chiripá, as botas e essa espécie de “cobertor” de lã xadrez sobre os ombros.
Digamos que seja neste período inicial que a vestimenta gaúcha se fundamentou como símbolo deste homem miscigenado, porém, ainda não é neste período que ela se estabiliza como referência cultural gauchesca, este momento surge em um período posterior, momento em que a rudeza da manufatura dava lugar a novos produtos, porém, sem nunca deixar sua marca principal, as marcas da mescla indígena e européia. Porém, uma das peças mais importantes do traje gauchesco moderno não trás nenhuma das partes envolvidas na mencionada hibridização, a bombacha, herança da Guerra do Paraguai, passou a ser usada pelos gaúchos somente após o fim desta contenda; peça repassada pelo exército inglês as tropas da Tríplice Aliança, era uma calça de montaria utilizada pelo exército otomano, aliado inglês na Guerra da Criméia. (GOLIN, 1999, pp. 96-97).
Imerso as mudanças sociais que se davam com o advento das independências sul-americanas, o homem pampeano não se obrigou a somente mudar seu modo de vida livre e rebelde que estava habituado desde os primórdios da colonização para se adequar aos novos Estados emergentes, sobretudo, obrigou-se a se remodelar a uma nova configuração social, que além de trazer novas prerrogativas acerca da economia, cultura e sociabilidade frente aos demais, fez com que a própria estampa campeira deste homem se remodelasse. (LESSA, 2002, p. 188).
Deste modo, a indumentária gauchesca começa a ser uma identidade, a traçar o perfil destes trabalhadores rurais, antes livres e neste momento do século XIX já habituados aos cercamentos das estâncias. Neste contexto, não pode-se esquecer aquilo que tange a vestimenta feminina; a mulher do gaúcho, primariamente conhecida como “china”¹, assim como seu par, sofreu diversas mudanças ao longo da história, tantas mudanças que não só afetaram na sua vestimenta, como também a modificação do termo utilizado para designá-la.² (LESSA, 2002, p. 102).
Neste sentido, a indumentária feminina (ainda indígena), sofreu sua primeira intervenção com a missionalização dos guarani organizada pela Ordem de Jesus, popularmente conhecidos como Jesuítas; nas missões guaraníticas, a mulher era obrigada a cobrir-se inteiramente, do pescoço até metade das canelas. Após a mesma mestiçagem sofrida pelo homem, a mulher começa a incorporar traços europeus aos seus trajes, sejam nos enfeites para os cabelos, saias com tecidos estampados e as blusas de algodão. (ASSUNÇÃO, 2007, p. 113).
Ainda, para melhor esclarecimento, visamos com este texto uma abordagem acerca do trabalhador rural – como já mencionado anteriormente – sem dedicarmos mais especificações aos patrões, que desde a época das vacarias já se utilizavam de outra indumentária bem mais elaborada, onde destacavam-se para os homens o jaleco tipo bolero, o chapéu aba larga de feltro e a imensa quantidade de adornos de prata que revestiam seu cinto, faca, rebenque e até os aperos de seus cavalos. Para a mulher não é diferente, o traje feminino da patroa atendia aos moldes europeus, com pouca influência terrunha em seu traje. (ASSUNÇÃO, 2007, p. 207).
Contudo, o movimento gauchesco, ganha uma nova roupagem com o passar do século XX, a indumentária gaúcha – tanto no Uruguai, Argentina ou Rio Grande do Sul – passa a ser motivo de orgulho para suas populações, o homem do campo passa a ser o símbolo destas regionalidades, trazendo de volta o espírito pátrio que havia, de certa forma, sido esquecido. Com isso, a roupa do modo gaúcho passa a ser industrializada, lojas especializadas surgem para atender demandas ainda maiores, visto que a partir dos anos 90 do século passado surge um movimento chamado de “pan-gauchismo”, ou seja, aquilo que as fronteiras políticas trataram de separar, a cultura acaba por novamente unir.
A cultura gauchesca foi o que inspirou o brasileiro Carlos Miele ao criar sua coleção apresentada em Nova York. Peças com referências dos trajes típicos gaúchos foram vistas na passarela: ponchos, chapéus e faixas com estamparia geométrica.
O primeiro look já deixou claro de onde veio a inspiração: calças que lembram bombachas, poncho de lã macia, faixa na cintura e chapéu original da cultura gaúcha.
Os vestidos de festa, DNA da marca, trouxeram luxo e sofisticação em materiais leves e esvoaçantes, como cetim e organza. Drapeados ou não, alguns modelos vinham com faixa na cintura, outros ganhavam bolero como acessório e o chapéu sempre presente referenciando o tema da coleção.
Na cartela de cores tons terrosos, amarelo, vermelho, azul, dourado e preto, lembrando as paisagens dos pampas, um lugar tranqüilo para estabelecer-se.
Conclusão
Por fim podemos perceber o quanto a vestimenta do gaucho foi se modificando ao longo dos tempos, recebendo heranças de outras culturas e lugares do mundo, e que mesmo um povo tão esquecido e enraizado no seu tempo e costumes consegue servir de inspiração para artistas mostrarem o quanto é bonita e amada nossa cultura.
Referências:
- Bibliografia
- ASSUNÇÃO, Fernando O. Historia del Gaucho. 2ª Ed. Buenos Aires: Claridad, 2007.
- FLORES, Moacyr. Gaúcho: História e Mito. Porto Alegre: EST, 2007.
- FLURY, Lázaro. Motivos Argentinos. Buenos Aires: Ciordia & Rodríguez, 1951.
- GOLIN, Tau. O povo do pampa. Passo Fundo: EDIUPF; Porto Alegre: Sulina, 1999.
- KÖHLER, Carl. História do vestuário. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
- KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. 3ª Ed. Porto Alegre: Leitura XXI, 2007.
- LESSA, Barbosa. Rio Grande do Sul, prazer em conhecê-lo. 4ª Ed. Porto Alegre: AGE, 2002.
- LEVENTON, Melissa. História ilustrada do vestuário. São Paulo: Publifolha, 2009.
- MACKENZIE, Mairi. Ismos para entender a moda. São Paulo: Globo, 2010.
- SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. 4ª Ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2002.
- Sites da internet:
- http://www.pampasonline.com.br/tradicao/tradicao_indumentariagaucha.htm
- http://kristynars-coisasdosul.blogspot.com.br/2009/05/indumentaria-gaucha-para-aqueles-que.html
- http://www.lucolunista.com.br/colunistas_coluna.php?id=9
- http://www.ironmongers.site40.net/776347/moda-gaucha-costumbres-y-artesanias.html
- http://www.tierradegauchos.com/El%20gaucho/Pilchas/
- http://www.mundotangodanza.com.ar/pilchas_criollas.htm
- http://www.folkloreycampo.com.ar/cat.php?txt=131
- http://www.mtg.org.br/
- http://www.confederaciongaucha.com.ar/
- http://www.gauchinha.com.br/historia-do-gaucho/historia-do-gaucho.htm
- http://www.voceaindavaiusar.com/2012_02_01_archive.html
- http://picasaweb.google.com/lh/photo/cR_stdZDGcJp02SguYiwIA
(Todos devidamente acessados entre 30/04 e 01/05 de 2012).
¹ Chamada assim durante a sociedade crioula tradicional por justamente ter os olhos puxados, aparentando este aspecto sinosoide.
² Hoje em dia, de acordo com as regras do MTG, a parceira do gaúcho riograndense é conhecida como “prenda”. Esta modificação não foi empregada entre as outras sociedades “gauchas” do Uruguai e da Argentina, onde até hoje a mulher é conhecida como “china”.
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