![](http://www.revistacliche.com.br/wp-content/uploads/2013/02/sebastiao-salgado.jpg)
O retrato além da imagem
Gostando ou não de Fotografia, é interessante para o designer compreender a força comunicativa proporcionada por um retrato. Não se trata, ou não se trata apenas, de identificação estética; o verdadeiro retrato leva ao observador emoções, ideias, convicções, questionamentos.
A escolha da figura do Tio Sam, este severo senhor com a cara do Abraham Lincoln, foi certeira para despertar o nacionalismo norte-americano, conduzir os jovens do país aos campos de batalha e transformar o cartaz abaixo em símbolo atemporal da propaganda bem feita. Será que, nos EUA do início do século XX, o cartaz funcionaria se o retratado estivesse sorrindo? Ou se não tivesse cabelos brancos? Ou mesmo se não estivesse lá?
“Parece mais fácil acreditar em uma pessoa que tem ideias abstratas. A imagem identifica uma individualidade, alguém que personifica as ideias”.
(Cláudio Araújo Kubrusly)
Ok, eu sei que o Tio Sam é uma ilustração, e não uma foto. O retrato já encantava os pintores muito antes de a Fotografia surgir. Da Vinci, Caravaggio, Vermeer, todos trabalharam com primor estético a representação do ser humano. E não puderam deixar de conferir certa profundidade psicológica às obras, fosse pintando um brinco de pérola ou um sorriso enigmático.
Entretanto, por mais talentoso que seja o artista, pincel e tinta são uma limitação técnica que impede a criação de uma imagem totalmente fiel à realidade. Sem contar que a própria interpretação do pintor, implícita ou explícita na obra, distorce o real.
Com o surgimento da Fotografia o retrato deixou de ser vítima da imperícia ou da genialidade nas pinceladas do artista. À óptica da máquina fotográfica não escapa nem um fiapo da realidade que enxergamos. O que permanece é a interpretação, pois cabe ao fotógrafo escolher a abordagem que dá ao assunto fotografado.
No início a Fotografia também sofreu com grandes limitações técnicas. Os primeiros retratos, datados de 1840, são marcados por poses duras, corpos retesados e rostos aborrecidos. Não é que as pessoas daquela época fossem menos simpáticas; o problema é que precisavam ficar imóveis durante longos minutos para que sua imagem fosse registrada.
![Robert Cornelius](http://www.revistacliche.com.br/wp-content/uploads/2013/02/cornelius-1840.jpg)
Parece que os dois brigaram antes da foto, mas essas caras são de desconforto.
(foto por Robert Cornelius, 1840)
A tecnologia evoluiu, as máquinas fotográficas diminuíram, a fotossensibilidade dos suportes fotográficos aumentou, e o início do século XX ofereceu múltiplas possibilidades à Fotografia. As câmeras podiam ser facilmente transportadas, e as imagens registradas em frações de segundo. Com isso, os olhos dos fotógrafos voltaram-se naturalmente àquilo que mais atrai o ser humano: os outros seres humanos. Nas regiões mais populosas às mais remotas, nas situações mais extravagantes às mais banais; as pessoas passaram a ser incessantemente fotografadas. O retrato foi legitimado como o tema mais recorrente e, ao mesmo tempo, o mais instigante da Fotografia. E assim permanece.
A princípio essas imagens parecem justificar-se apenas pela beleza. Mas um retrato baseado somente na estética é deveras vazio. Mais do que expor, a fotografia oculta informações. “Quem é essa pessoa? De onde vem? No que acredita? Por que age dessa maneira?”. Essas questões, entre várias outras intrínsecas ao retrato, são precisamente o que motivam e atraem a mente humana. E as escolhas feitas pelo fotógrafo é que irão sugerir as respostas.
![Steve McCurry](http://www.revistacliche.com.br/wp-content/uploads/2013/02/mccurry-1996.jpg)
Não é necessário que o retrato capture o rosto do homem. Esses pés, por exemplo, representam perfeitamente a cultura de um povo. (foto por Steve McCurry, 1996)
O fotógrafo mira o indivíduo do grupo com a roupa diferente, o olhar expressivo, a sujeira no rosto; opta por determinada iluminação, ângulo e enquadramento; compõe a cena, enfatiza a pessoa ou o ambiente, foca ou desfoca objetos; clica no momento preciso. Constrói e dá vida à imagem inanimada.
![Henry Cartier-Bresson](http://www.revistacliche.com.br/wp-content/uploads/2013/02/bresson-1954.jpg)
Ah, a infância! Quando duas garrafas de vinho eram o suficiente para ser feliz. (foto por Henry Cartier-Bresson, 1954)
Dessa maneira Sebastião Salgado denuncia as mazelas da humanidade, Steve McCurry apresenta a fantástica cultura oriental, e Henry Cartier-Bresson eterniza as cenas do cotidiano parisiense. Assim como tantos outros mestres da Fotografia, nos oferecem em retratos a tragédia e a comédia do mundo, e nos levam além.
“Para ser um verdadeiro retratista é necessário ultrapassar o mero registro para, de mãos dadas com a tradição de 150 anos de retratos fotográficos, mirar a carne e atingir a alma”. (Osvaldo Santos Lima)
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