NASA – design perdido no espaço

Por Rob Batista

Nos útimos anos o termo “redesign” tem se repetido internet a fora em meio a uma série de polêmicas. A consolidação e desenvolvimento do digital como um meio legítimo de relações e vivências, as crises financeiras dos últimos anos e uma readaptação obrigatória aos novos tempos, entre muitos outros motivos, tem feito instituições, governos e empresas perceberem a necessidade de promover sua própria exposição de forma mais alinhada a esses novos tempos. A preocupação com o design, e em muitos casos com o redesign, é um ótimo exemplo disso.

À propósito desse assunto, trago aqui um caso que poucos conhecem: o “Worm Logo” da NASA. Em 1974 dava seus primeiros passos, nos EUA, o Federal Graphics Improvement Program, apoiado pelo Presidente Richard Nixon, e viram na agência uma ótima oportunidade de testar o novo programa de modernização.

No ano já citado, os designers Richard Danne e Bruce Blackburn tinham a tarefa de apresentar um novo projeto de identidade visual para a Agência Espacial americana. Danne relata, no livro Dust Bowl to Gotham (2011), como foi realizar essa difícil tarefa. Até então, a NASA havia tido dois logos (ambos de 1959) que não atendiam muito a necessidade de expor a agência como organização que levaria os americanos ao futuro ou que dispunha da mais moderna tecnologia de exploração espacial. No entanto, a maior parte dos chefes e e administradores tinham um apego muito grande ao logo, na versão mais conhecida hoje, que eles haviam apelidado de “Meatball” (almôndega, em bom português).

Na época, o Administrador-chefe da Agência Espacial era o Dr. James Fletcher, e seu adjunto era o Dr. George Low. O projeto deveria ser apresentado para uma comissão com vários administradores, representantes e integrantes do mais alto escalão, no entanto, convencer Fletcher e Low era o mais importante. Isso acaba se tornando um pouco mais difícil por que, pelos relatos do livro, é suspeito que havia certa intriga entre os dois.

Desdo o início, Danne queria mostrar que o logo-insígnia utilizado até então era “complicado demais, difícil de reproduzir e (pejorativamente) carregado de um estilo ‘Buck Rogers”. Ele entendia que essa identidade visual havia nascido na época de uma “síndrome do homem do espaço, onde o exagerado e o fantástico dominavam sobre o real e o lógico”. Sua proposta refletia totalmente o contrário: um logotipo que fosse simples, claro, progressivo, que pudesse ser entendido de muito longe e reproduzido em várias mídias. Mas o ar de resistência na sala era muito grande, e Danne precisou se empenhar em mostrar o quanto sua proposta era forte e efetiva, e assim, ele sentiu maior aceitação com o desenvolver da apresentação.

Mas a resistência não havia sido completamente vencida e Richard Danne cita que então ele presenciou uma das discussões mais interessantes de sua carreira:

Fletcher: eu simplesmente não me sinto confortável com essas letras, está faltando algo.
Low: É claro, o traço central da letra A foi retirado.
Fletcher: Sim, e isso está me incomodando.
Low: Porquê?
Fletcher (depois de uma longa pausa): não sei, só acho que o dinheiro investido não está valendo a pena.

Todos na sala ficaram surpresos com essa afirmação, e então a discussão se voltou para as cores. Depois de testes com várias cores, Danne e Bruce escolheram a cor vermelha para a versão principal por que sugeria ação, vivacidade e movimento, bastante alinhado com o espírito Can Do da NASA.

Fletcher: E essa cor vermelha, não faz nenhum sentido para mim.
Low: E que cor seria melhor?
Fletcher: Azul faz muito mais sentido… O espaço é azul.
Low: Não, Dr Fletcher, o espaço é preto.

Apesar de toda a dificuldade o projeto foi aprovado, em 1975. Finalmente a NASA teria uma identidade visual mais moderna, simples, de mais fácil compreensão e capaz de expressar suas intenções em relação ao espaço, quando fazia frente ao Programa Espacial Soviético. Em 1984, Richard Danne recebe das mãos do Presidente Reagan o Prêmio de Excelência em Design, pelo Presidential Design Awards.

Mas isso não significava aceitação plena de todos. Isso porque a NASA era composta por várias agências internas que tinham alguma independência. A administração central havia enviado a nova identidade para esses órgãos, que não estavam cientes da importância da mudança, nem de toda a fundamentação apresentada. Isso causou furor entre eles e se recusaram a aceitar o logo, além de apelidarem-no de worm (verme), em referência ao warm (quente, vivo) dado como característica. Bruce e Richard foram obrigados a fazer a mesma apresentação novamente dezenas de vezes. Eles notaram que os executivos mais jovens se identificavam imediatamente com a nova proposta, em oposição aos mais velhos.

Começa então uma disputa interna na Agência Espacial por causa de um redesign. Assim, em 1992, o novo Administrador-chefe, Dan Goldin, ressussita o antigo “meatball” e todo aquele projeto de modernização do presidente Nixon para NASA vai por água abaixo, ou melhor, vai para o espaço.

E você, conhece algum projeto fantástico que “foi para o espaço” por que o apego do cliente não permitia olhar para frente?

Referências

 

Rob Batista

Rob Batista

Rob Batista, aka Robin Hood, é paulista e estudante de Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi. Se encontra (e se perde) em Artes Visuais, Antropologia, Filosofia, Ficção Científica, entre outras coisas, e vê no design o poder de (des)construir o mundo. Suas pesquisas, observações e toda a bobagem que fala são muito menos o desejo de explicar e muito mais a tentativa de entender.

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Nos útimos anos o termo “redesign” tem se repetido internet a fora em meio a uma série de polêmicas. A consolidação e desenvolvimento do digital como um meio legítimo de relações e vivências, as crises financeiras dos últimos anos e uma readaptação obrigatória aos novos tempos, entre muitos outros motivos, tem feito instituições, governos e empresas perceberem a necessidade de promover sua própria exposição de forma mais alinhada a esses novos tempos. A preocupação com o design, e em muitos casos com o redesign, é um ótimo exemplo disso.

À propósito desse assunto, trago aqui um caso que poucos conhecem: o “Worm Logo” da NASA. Em 1974 dava seus primeiros passos, nos EUA, o Federal Graphics Improvement Program, apoiado pelo Presidente Richard Nixon, e viram na agência uma ótima oportunidade de testar o novo programa de modernização.

No ano já citado, os designers Richard Danne e Bruce Blackburn tinham a tarefa de apresentar um novo projeto de identidade visual para a Agência Espacial americana. Danne relata, no livro Dust Bowl to Gotham (2011), como foi realizar essa difícil tarefa. Até então, a NASA havia tido dois logos (ambos de 1959) que não atendiam muito a necessidade de expor a agência como organização que levaria os americanos ao futuro ou que dispunha da mais moderna tecnologia de exploração espacial. No entanto, a maior parte dos chefes e e administradores tinham um apego muito grande ao logo, na versão mais conhecida hoje, que eles haviam apelidado de “Meatball” (almôndega, em bom português).

Na época, o Administrador-chefe da Agência Espacial era o Dr. James Fletcher, e seu adjunto era o Dr. George Low. O projeto deveria ser apresentado para uma comissão com vários administradores, representantes e integrantes do mais alto escalão, no entanto, convencer Fletcher e Low era o mais importante. Isso acaba se tornando um pouco mais difícil por que, pelos relatos do livro, é suspeito que havia certa intriga entre os dois.

Desdo o início, Danne queria mostrar que o logo-insígnia utilizado até então era “complicado demais, difícil de reproduzir e (pejorativamente) carregado de um estilo ‘Buck Rogers”. Ele entendia que essa identidade visual havia nascido na época de uma “síndrome do homem do espaço, onde o exagerado e o fantástico dominavam sobre o real e o lógico”. Sua proposta refletia totalmente o contrário: um logotipo que fosse simples, claro, progressivo, que pudesse ser entendido de muito longe e reproduzido em várias mídias. Mas o ar de resistência na sala era muito grande, e Danne precisou se empenhar em mostrar o quanto sua proposta era forte e efetiva, e assim, ele sentiu maior aceitação com o desenvolver da apresentação.

Mas a resistência não havia sido completamente vencida e Richard Danne cita que então ele presenciou uma das discussões mais interessantes de sua carreira:

Fletcher: eu simplesmente não me sinto confortável com essas letras, está faltando algo.
Low: É claro, o traço central da letra A foi retirado.
Fletcher: Sim, e isso está me incomodando.
Low: Porquê?
Fletcher (depois de uma longa pausa): não sei, só acho que o dinheiro investido não está valendo a pena.

Todos na sala ficaram surpresos com essa afirmação, e então a discussão se voltou para as cores. Depois de testes com várias cores, Danne e Bruce escolheram a cor vermelha para a versão principal por que sugeria ação, vivacidade e movimento, bastante alinhado com o espírito Can Do da NASA.

Fletcher: E essa cor vermelha, não faz nenhum sentido para mim.
Low: E que cor seria melhor?
Fletcher: Azul faz muito mais sentido… O espaço é azul.
Low: Não, Dr Fletcher, o espaço é preto.

Apesar de toda a dificuldade o projeto foi aprovado, em 1975. Finalmente a NASA teria uma identidade visual mais moderna, simples, de mais fácil compreensão e capaz de expressar suas intenções em relação ao espaço, quando fazia frente ao Programa Espacial Soviético. Em 1984, Richard Danne recebe das mãos do Presidente Reagan o Prêmio de Excelência em Design, pelo Presidential Design Awards.

Mas isso não significava aceitação plena de todos. Isso porque a NASA era composta por várias agências internas que tinham alguma independência. A administração central havia enviado a nova identidade para esses órgãos, que não estavam cientes da importância da mudança, nem de toda a fundamentação apresentada. Isso causou furor entre eles e se recusaram a aceitar o logo, além de apelidarem-no de worm (verme), em referência ao warm (quente, vivo) dado como característica. Bruce e Richard foram obrigados a fazer a mesma apresentação novamente dezenas de vezes. Eles notaram que os executivos mais jovens se identificavam imediatamente com a nova proposta, em oposição aos mais velhos.

Começa então uma disputa interna na Agência Espacial por causa de um redesign. Assim, em 1992, o novo Administrador-chefe, Dan Goldin, ressussita o antigo “meatball” e todo aquele projeto de modernização do presidente Nixon para NASA vai por água abaixo, ou melhor, vai para o espaço.

E você, conhece algum projeto fantástico que “foi para o espaço” por que o apego do cliente não permitia olhar para frente?

Referências

 

Rob Batista

Rob Batista

Rob Batista, aka Robin Hood, é paulista e estudante de Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi. Se encontra (e se perde) em Artes Visuais, Antropologia, Filosofia, Ficção Científica, entre outras coisas, e vê no design o poder de (des)construir o mundo. Suas pesquisas, observações e toda a bobagem que fala são muito menos o desejo de explicar e muito mais a tentativa de entender.

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