Game Design… ou Game Art?

Por Gui Santos

Game design e game art são duas áreas no desenvolvimento de jogos que costumam ser confundidas, principalmente aqui no Brasil. Talvez isso aconteça graças à nossa formação de Design e ao velho costume: “ah, você é designer!… Você desenha bem, então? Faz um desenho para mim?”. Eu mesmo quando comecei a estudar esse assunto confundia as duas. Foi pensando nisso que decidi escrever sobre as duas áreas para tentar diferenciá-las um pouco.

O Game Designer

O game designer é o camarada que irá projetar o jogo ou, melhor, a experiência que será vivida pelo jogador. Aliás, podemos considerar que o game designer é o projetista de um artefato que irá proporcionar certa experiência a certa pessoa. Essa experiência, por sua vez, irá provocar na pessoa uma série de sentimentos: conquista, vitória, derrota, cooperação, competição etc.

Uma vez que nosso objetivo é criar uma experiência, e considerando que essa experiência é formada por uma série de sensações, o foco do designer é estimular essas sensações no jogador e não, necessariamente, recriar a situação original. Vejamos dois exemplos.

O vídeo game FIFA Soccer, da EA Games, tem como objetivo proporcionar aos jogadores todas as sensações que acontecem em uma partida real de futebol: coordenar um time, lutar contra o tempo, sentir a explosão de marcar um gol, estar à frente do placar etc. Contudo, se compararmos o FIFA com o jogo de futebol de verdade, veremos que as duas atividades são totalmente diferentes. Para começar, uma partida real de futebol tem duração de 90 minutos, enquanto que a partida do vídeo game dura em média 10 minutos. Apesar disso, a sensação de correr contra o tempo para vencer o adversário é praticamente a mesma! Outra diferença é que para se marcar um gol no FIFA, precisamos apertar apenas um botão; numa partida real, sabemos que não é tão simples assim, mas a sensação de fazer um gol é a mesma nas duas situações.

FIFA Soccer dá uma chance para quem é perna-de-pau

Um segundo exemplo são os jogos de aventura (adventure games). Podemos considerar que o primeiro jogo do gênero foi um projeto não comercial feito pelo programador William Crowther. Crowther queria apenas criar um software que simulasse o seu hobby favorito: explorar a caverna Mammoth Cave. O jogo funcionava inteiramente por meio de textos: os jogadores inseriam instruções no computador, o qual descrevia os resultados por texto. Não havia nenhuma imagem de caverna, nenhum som de caverna, nada. Mesmo assim, o sucesso foi tanto que começaram a surgir outros jogos semelhantes e o gênero de aventura evoluiu. Foram lançados jogos como ZorkII, Monkey Island, Grim Fandango, e The Walking Dead (jogo do ano de 2012 na VGA)

Este é um jogo de exploração de cavernas, acredite!

Para criar essas experiências, o designer precisará de conhecimentos em várias áreas além do design, como programação, arte, arquitetura, literatura, música, som, história, psicologia, entre outros. Muitas vezes, o próprio jogo irá demandar que o designer pesquise algo novo. Ou você acha que os designers do Age of Empire inventaram todas aquelas coisas?

No jogo crusader kings II os designers da Paradox tiveram de realizar uma grande pesquisa para aprender sobre o sistema feudal de cada país europeu na Alta Idade Média

O Game Artist

Há pouco nos referimos ao jogo como um artefato que proporciona uma experiência, certo? OK, o game artist irá trabalhar no aspecto desse artefato, ou seja, em como ele será apresentado ao jogador. O trabalho dele irá tornar a experiência proporcionada pelo jogo mais fluida e concreta, principalmente por tornar possível a interação entre o jogador e o jogo.

Praticamente tudo que você vê quando está jogando é obra de um artista: os cenários; os personagens; os objetos; os efeitos visuais; a interface do jogo; as animações; as cinematics etc…

O trabalho de game art é tão amplo que normalmente nas grandes empresas ele é dividido em várias outras áreas. O Diablo III, sucesso de vendas no ano passado, tem vários equipamentos para os personagens dos jogadores e foram feitos por uma equipe de artistas. É bem provável que essa equipe só tenha trabalhado com os equipamentos do jogo, ou seja, não fizeram cenários ou personagens.

Armas criadas pelos artistas da Ubisoft para o game Assassin’s Creed: Revelations

Muitos artistas trabalham com as animações de personagens dentro de um jogo. Veja os jogos de luta: todos os lutadores possuem ataques e defesas distintos, assim como todo personagem possui certo estilo em executar seus golpes. Além disso, o modo como vemos a derrota do nosso oponente está diretamente ligado ao prazer em jogar aquela partida.

Vencer de alguém no MK sem no final executar um fatality é o mesmo que NÃO vencer

Em um jogo existe uma série de informações que são trocadas entre o próprio jogo e o jogador. Algumas informações como quantidade de munição e saúde do jogador precisam ser transmitidas com boa legibilidade, ou a única experiência que o player vai sentir é a de frustração. Normalmente essas informações são dadas por meio de uma HUD (heads-up display – recebe esse nome por causa da interface dos painéis de caças militares) que são criadas pelo game artist e seguem os mesmos fundamentos do design de interfaces. Falar sobre a interface dos jogos daria outro artigo inteiro… E talvez dê!

A HUD do Dead Space 3 está mesclada ao jogo aumentando a imersão do jogador sem prejudicar a legibilidade das informações.

Conclusão

Por serem de caráter multidisciplinar tão vasto, ambas as áreas podem ser ocupadas por designers que não se limitem ao estudo apenas do design. Espero ter transmitido neste pequeno resumo como alguns dos conhecimentos que são ensinados nos cursos de design são fundamentos importantes tanto para um game designer quanto para um game artist.

Para facilitar o entendimento da contribuição de ambos em um jogo, indico uma palestra do Will Wright (game designer de The Sims e Spore) mostrando como foi desenvolver o jogo Spore. Ele mostra e explica tanto o design como a arte do jogo. Assista agora!

Gui Santos

Gui Santos

Um quase ex-aluno do Design da UTFPR, agora vai! Leva jogos a sério demais e acha que Han Solo atirou primeiro.

Conteúdo relacionado

Comentários

Os comentários estão encerrados.

Game Design… ou Game Art?

Por Gui Santos

Game design e game art são duas áreas no desenvolvimento de jogos que costumam ser confundidas, principalmente aqui no Brasil. Talvez isso aconteça graças à nossa formação de Design e ao velho costume: “ah, você é designer!… Você desenha bem, então? Faz um desenho para mim?”. Eu mesmo quando comecei a estudar esse assunto confundia as duas. Foi pensando nisso que decidi escrever sobre as duas áreas para tentar diferenciá-las um pouco.

O Game Designer

O game designer é o camarada que irá projetar o jogo ou, melhor, a experiência que será vivida pelo jogador. Aliás, podemos considerar que o game designer é o projetista de um artefato que irá proporcionar certa experiência a certa pessoa. Essa experiência, por sua vez, irá provocar na pessoa uma série de sentimentos: conquista, vitória, derrota, cooperação, competição etc.

Uma vez que nosso objetivo é criar uma experiência, e considerando que essa experiência é formada por uma série de sensações, o foco do designer é estimular essas sensações no jogador e não, necessariamente, recriar a situação original. Vejamos dois exemplos.

O vídeo game FIFA Soccer, da EA Games, tem como objetivo proporcionar aos jogadores todas as sensações que acontecem em uma partida real de futebol: coordenar um time, lutar contra o tempo, sentir a explosão de marcar um gol, estar à frente do placar etc. Contudo, se compararmos o FIFA com o jogo de futebol de verdade, veremos que as duas atividades são totalmente diferentes. Para começar, uma partida real de futebol tem duração de 90 minutos, enquanto que a partida do vídeo game dura em média 10 minutos. Apesar disso, a sensação de correr contra o tempo para vencer o adversário é praticamente a mesma! Outra diferença é que para se marcar um gol no FIFA, precisamos apertar apenas um botão; numa partida real, sabemos que não é tão simples assim, mas a sensação de fazer um gol é a mesma nas duas situações.

FIFA Soccer dá uma chance para quem é perna-de-pau

Um segundo exemplo são os jogos de aventura (adventure games). Podemos considerar que o primeiro jogo do gênero foi um projeto não comercial feito pelo programador William Crowther. Crowther queria apenas criar um software que simulasse o seu hobby favorito: explorar a caverna Mammoth Cave. O jogo funcionava inteiramente por meio de textos: os jogadores inseriam instruções no computador, o qual descrevia os resultados por texto. Não havia nenhuma imagem de caverna, nenhum som de caverna, nada. Mesmo assim, o sucesso foi tanto que começaram a surgir outros jogos semelhantes e o gênero de aventura evoluiu. Foram lançados jogos como ZorkII, Monkey Island, Grim Fandango, e The Walking Dead (jogo do ano de 2012 na VGA)

Este é um jogo de exploração de cavernas, acredite!

Para criar essas experiências, o designer precisará de conhecimentos em várias áreas além do design, como programação, arte, arquitetura, literatura, música, som, história, psicologia, entre outros. Muitas vezes, o próprio jogo irá demandar que o designer pesquise algo novo. Ou você acha que os designers do Age of Empire inventaram todas aquelas coisas?

No jogo crusader kings II os designers da Paradox tiveram de realizar uma grande pesquisa para aprender sobre o sistema feudal de cada país europeu na Alta Idade Média

O Game Artist

Há pouco nos referimos ao jogo como um artefato que proporciona uma experiência, certo? OK, o game artist irá trabalhar no aspecto desse artefato, ou seja, em como ele será apresentado ao jogador. O trabalho dele irá tornar a experiência proporcionada pelo jogo mais fluida e concreta, principalmente por tornar possível a interação entre o jogador e o jogo.

Praticamente tudo que você vê quando está jogando é obra de um artista: os cenários; os personagens; os objetos; os efeitos visuais; a interface do jogo; as animações; as cinematics etc…

O trabalho de game art é tão amplo que normalmente nas grandes empresas ele é dividido em várias outras áreas. O Diablo III, sucesso de vendas no ano passado, tem vários equipamentos para os personagens dos jogadores e foram feitos por uma equipe de artistas. É bem provável que essa equipe só tenha trabalhado com os equipamentos do jogo, ou seja, não fizeram cenários ou personagens.

Armas criadas pelos artistas da Ubisoft para o game Assassin’s Creed: Revelations

Muitos artistas trabalham com as animações de personagens dentro de um jogo. Veja os jogos de luta: todos os lutadores possuem ataques e defesas distintos, assim como todo personagem possui certo estilo em executar seus golpes. Além disso, o modo como vemos a derrota do nosso oponente está diretamente ligado ao prazer em jogar aquela partida.

Vencer de alguém no MK sem no final executar um fatality é o mesmo que NÃO vencer

Em um jogo existe uma série de informações que são trocadas entre o próprio jogo e o jogador. Algumas informações como quantidade de munição e saúde do jogador precisam ser transmitidas com boa legibilidade, ou a única experiência que o player vai sentir é a de frustração. Normalmente essas informações são dadas por meio de uma HUD (heads-up display – recebe esse nome por causa da interface dos painéis de caças militares) que são criadas pelo game artist e seguem os mesmos fundamentos do design de interfaces. Falar sobre a interface dos jogos daria outro artigo inteiro… E talvez dê!

A HUD do Dead Space 3 está mesclada ao jogo aumentando a imersão do jogador sem prejudicar a legibilidade das informações.

Conclusão

Por serem de caráter multidisciplinar tão vasto, ambas as áreas podem ser ocupadas por designers que não se limitem ao estudo apenas do design. Espero ter transmitido neste pequeno resumo como alguns dos conhecimentos que são ensinados nos cursos de design são fundamentos importantes tanto para um game designer quanto para um game artist.

Para facilitar o entendimento da contribuição de ambos em um jogo, indico uma palestra do Will Wright (game designer de The Sims e Spore) mostrando como foi desenvolver o jogo Spore. Ele mostra e explica tanto o design como a arte do jogo. Assista agora!

Gui Santos

Gui Santos

Um quase ex-aluno do Design da UTFPR, agora vai! Leva jogos a sério demais e acha que Han Solo atirou primeiro.

Conteúdo relacionado

Comentários

Os comentários estão encerrados.