O que filosofia tem a ver com design?

Por Marcos Beccari

A princípio, nada. É assunto chato de filósofos e suas teorias inúteis. Além do que mais, nunca acreditei numa “sabedoria” que supostamente nos ajude a “melhorar” quem somos e o que fazemos. Mas o que eu tenho percebido é que, quanto mais estudo filosofia, toda e qualquer sabedoria se torna menos importante do que a capacidade de entendê-las de uma forma que eu não conseguia antes.

Assim como a maioria das pessoas, sempre fui afetado por inconvenientes como injustiças, normas, fofocas, desentendimentos etc. Acontece que, a princípio, nenhuma dessas coisas existe. Elas simplesmente não existem porque são coisas tão previsíveis quanto a própria objeção que essa afirmação provoca. A própria noção de que existe uma “reação” ao que eu acabei de dizer já configura uma experiência inexistente porque ela ultrapassa a experiência vivenciada imediata e diretamente (o conteúdo do que eu disse).

Na maior parte do tempo, no entanto, são essas coisas as que mais nos afetam. E na medida em que nos afetam, elas se tornam mais reais do que aquilo que existe. Então os objetos que nos cercam, os produtos que consumimos e as marcas que nos atraem deixam de ser meramente reais e se tornam uma forma indireta de realizar nossos afetos.

Esta inversão é uma forma de se entender o design. Claro que existem outras formas, mas isso ilustra como a filosofia nos permite negociar nosso próprio entendimento sobre as coisas por meio de ideias (e não somente palavras e conceitos) que não tínhamos antes. E o que eu desconfio, na intenção de propor, é que cada ação de design testemunha um pensamento filosófico na medida em que pensamentos filosóficos são eles próprios processos de design.

Espero que este breve devaneio tenha funcionado como um convite não apenas ao meu blog e aos meus vídeos, mas antes ao aprofundamento filosófico no design. Um convite sempre em aberto porquanto ainda sejam imprevisíveis os frutos que dele resultam.

[Este post, cujo questionamento provém do último evento promovido por meu colega Daniel B. Portugal (no qual infelizmente não pude estar presente), é uma introdução à minha nova coluna quinzenal, sobre Filosofia do Design, aqui no blog da revista Clichê.]

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Marcos Beccari

Marcos Beccari

Doutorando em Educação na USP, designer gráfico e mestre em Design pela UFPR. Professor substituto no curso de Bacharelado em Design Gráfico na UFPR. Interessa-se por Filosofia, Psicologia e Comunicação, o que o levou a pesquisar sobre Filosofia do Design e a encarar o design como articulação simbólica na mediação ficcional que organiza o real. Além de atuar como professor e pesquisador, coordena o blog Filosofia do Design, integra o podcast AntiCast, é membro do projeto "Cinema e Educação: tela, espelho e janela" (USP-Fapesp) e colabora com outros blogs/revistas de design e comunicação.

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A princípio, nada. É assunto chato de filósofos e suas teorias inúteis. Além do que mais, nunca acreditei numa “sabedoria” que supostamente nos ajude a “melhorar” quem somos e o que fazemos. Mas o que eu tenho percebido é que, quanto mais estudo filosofia, toda e qualquer sabedoria se torna menos importante do que a capacidade de entendê-las de uma forma que eu não conseguia antes.

Assim como a maioria das pessoas, sempre fui afetado por inconvenientes como injustiças, normas, fofocas, desentendimentos etc. Acontece que, a princípio, nenhuma dessas coisas existe. Elas simplesmente não existem porque são coisas tão previsíveis quanto a própria objeção que essa afirmação provoca. A própria noção de que existe uma “reação” ao que eu acabei de dizer já configura uma experiência inexistente porque ela ultrapassa a experiência vivenciada imediata e diretamente (o conteúdo do que eu disse).

Na maior parte do tempo, no entanto, são essas coisas as que mais nos afetam. E na medida em que nos afetam, elas se tornam mais reais do que aquilo que existe. Então os objetos que nos cercam, os produtos que consumimos e as marcas que nos atraem deixam de ser meramente reais e se tornam uma forma indireta de realizar nossos afetos.

Esta inversão é uma forma de se entender o design. Claro que existem outras formas, mas isso ilustra como a filosofia nos permite negociar nosso próprio entendimento sobre as coisas por meio de ideias (e não somente palavras e conceitos) que não tínhamos antes. E o que eu desconfio, na intenção de propor, é que cada ação de design testemunha um pensamento filosófico na medida em que pensamentos filosóficos são eles próprios processos de design.

Espero que este breve devaneio tenha funcionado como um convite não apenas ao meu blog e aos meus vídeos, mas antes ao aprofundamento filosófico no design. Um convite sempre em aberto porquanto ainda sejam imprevisíveis os frutos que dele resultam.

[Este post, cujo questionamento provém do último evento promovido por meu colega Daniel B. Portugal (no qual infelizmente não pude estar presente), é uma introdução à minha nova coluna quinzenal, sobre Filosofia do Design, aqui no blog da revista Clichê.]

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Doutorando em Educação na USP, designer gráfico e mestre em Design pela UFPR. Professor substituto no curso de Bacharelado em Design Gráfico na UFPR. Interessa-se por Filosofia, Psicologia e Comunicação, o que o levou a pesquisar sobre Filosofia do Design e a encarar o design como articulação simbólica na mediação ficcional que organiza o real. Além de atuar como professor e pesquisador, coordena o blog Filosofia do Design, integra o podcast AntiCast, é membro do projeto "Cinema e Educação: tela, espelho e janela" (USP-Fapesp) e colabora com outros blogs/revistas de design e comunicação.

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