Efêmeros
[Trecho do filme Sociedade dos Poetas Mortos.]
Há algo de irônico em marcar o começo de um texto com o trecho de um longa metragem. Uso aqui a licença poética que a mistura de mídias permite para usar de prefácio ao assunto que vos encara: somos efêmeros até mesmo em nossa efemeridade.
O conceito apresentado pelo professor John Keating (Robin Williams) em Sociedade dos Poetas Mortos não é de forma alguma novidade. Carpe Diem (“aproveite o dia” para os que pularam o vídeo introdutório) é uma expressão em latim datada de antes de Cristo e é constantemente utilizada em movimentos literários e filosóficos, tais como o Arcadismo e o Hedonismo. Ao contrário do que pensa, a expressão marca uma profunda melancolia, pois trata-se da constante lembrança de que a Morte não só é inevitável, como também está à espreita a todo momento. Lamento por aqueles que tatuam no peito do pé “carpe diem” com um sorriso no rosto. Coitados.
Enfim, a finitude é algo comum à vida cotidiana. Somos essencialmente fugazes e fazemos do temporário um hábito.
Entretanto, se na literatura e na filosofia clássicas o fim próximo é visto como um mal à espreita, no mundo das artes e ofícios modernos a efemeridade é um meio necessário.
Desde o final da Idade Média e o consequente firmamento dos Estados modernos, caminhamos pela descaracterização do tradicionalismo. Numa sociedade onde a hierarquia e o poder da Igreja são absolutos, qualquer exceção à regra é mal vista. Até mesmo proibida.
A (primeira) Revolução Industrial, o surgimento da burguesia e o consequente desenvolvimento do comércio, a decomposição do poder monárquico e os progressos da civilização material consolidaram não só a quebra dos valores tradicionais, mas também a renovação constante do ciclo de tendências. Este fundo de decolagem econômica do Ocidente culminou no começo da moda como a conhecemos.
Não falo aqui só da moda no sentido indumentário. Apesar deste ser um dos grandes fenômenos que caracterizam a modernidade, menciono o termo num sentido mais amplo – pode-se considerar a renovação de costumes musicais, artísticos, etc. O que quero dizer é: se na era dos costumes reinou o prestígio pela antiguidade e a imitação dos ancestrais, na era das modas domina-se o culto às novidades.
Com a globalização e a internet, aceleramos ainda mais o ritmo das nossas vidas, informações e artefatos. Somos saturados de signos que têm uma vida útil curtíssima. A natureza dos produtos é tão fugaz que projeta-se já levando-se em conta seu descarte e seu processo de reintegração à natureza como matéria-prima. Visto isso, indaga-se: quanto tempo dura um logo sem ser alterado, atualizado? Como se mede a permanência de uma tendência em voga?
Este é uma da grandes problemas da atualidade: vive-se o império do efêmero por causa da demanda da sociedade moderna… e acaba-se sem saber lidar com o que dura. Materiais que duram centenas de anos sempre existiram na natureza, mas aceleramos o ritmo de produção e vivência de objetos a tal ponto que mesmo o processo natural de decomposição torna-se uma obsolescência incômoda.
Story of Stuff | O vídeo tem poucos anos, mas já é considerado um clássico para entender a linha de produção das coisas. Simples e direto como um tapa na cara.
Uns falam que o futuro é sob encomenda/tailor made; outros apostam na reciclagem e na sustentabilidade. São maneiras de aumentar o ciclo de produção e aproveitamento do que produzimos. Entretanto, a maneira mais eficaz reside na simplicidade: basta regular o freio. Devemos aprender a respeitar o tempo das coisas breves.
Enquanto isso, posso-lhes nos desejar o de praxe: carpe diem.
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