A Arte Vinda Daquelas Coisas de Dentro da Garganta: a Agonia – Parte I
Nossa arte é a nossa agonia transformada em razão
– Charles Bukowski em Pedaços de um Caderno Manchado de Vinho
Sufoco. Peito apertado. Ansiedade. Insegurança. Náusea. Quase-morte. Luta contra a morte. Essa coisa que nos aperta e nos esmaga pelos mais diversos motivos, que nos faz suar, tremer e agir como se nós não fossemos exatamente nós, mas uma mera projeção. É quando nos sentimos angustiados ou agoniados: é quando nós estamos ouvindo uma música que nos faz ter péssimas lembranças, é a bad trip, a ressaca, a foto que não deveríamos ter visto. Enfim — somos seres que plenamente e constantemente suamos frio e sentimos uma espécie de medo que não sabemos da onde vem, afinal, não estamos sofrendo perigo algum.
Nós, esse liquidificador de inconstâncias e constâncias contemporâneas, com limites e inseguranças, sentimos aquele frio percorrendo o pescoço e a garganta seca. Não, não somos especiais por sermos contemporâneos: perigos e medos todos os povos de todos os tempos passaram.
Por exemplo: Gótico Italiano. Logicamente era um tipo de pintura extremamente oriundo da Igreja Católica e de suas supostas normas, visto que era justamente o Vaticano que pedia por obras de cunho religioso aos artistas das mais diversas partes da Itália. Portanto, a representação de elementos e passagens bíblicas era o feijão com arroz (mas muito bem feito, muito bem temperado) da época. E, vamos falar a verdade, a Bíblia tem umas passagens extremamente cruas, brutais e fortes. Por que as suas representações em afrescos, pinturas e esculturas não seriam assim também?
Rostos dramáticos, teatrais, anjos perplexos, caos, muito choro e muito grito (por mais que a gente não escute). Os rostos incrédulos e que sentem uma incrível impotência pela morte do suposto filho de Deus juntamente com os anjos, geralmente retratados de uma forma tão pacífica e calma, tornam essa obra mais gritante que uma chaleira. A morte e nascimento de Cristo nunca foram tão retratadas quanto no Gótico, e é justamente aí que todo esse enorme drama é representado de maneira completamente aflita.
Quase 300 anos depois, o barroco nos surge com uma teatralidade que o gótico às vezes omitia. E a realidade, antes um item não muito bem desenvolvido (afinal, a tinta a óleo não tinha sido inventada ainda) agora é o item mais-do-que-básico. Os mitos gregos e não somente os católicos entram em pauta: histórias de toda a humanidade são retratadas em quadros e esculturas mesmo dos artistas italianos. A medusa de Caravaggio e Bernini — uma de 1596 e a outra de 1630 — retratam uma agonia pré-morte fora dos eixos e normas bíblicas, e com uma realidade e técnica que nunca foram antes vistas. Afinal, esses dois artistas foram transgressores no realismo da época. Os olhos ora esbugalhados, ora cerrados, a boca aberta incrédula, consiste num pânico intenso e, novamente, a figura da chaleira gritando, mesmo que não a ouçamos.
A agonia, esse estado incisivo e determinante do ser em determinadas passagens da vida é mais do que um estado de espírito; é uma ferramenta artística perturbadora e magnética, que nos faz fixar o olhar por horas e horas e repararmos em sutilezas não antes vistas. A dor e o sofrimento são constantes artísticas pois os espectadores e os artistas, enquanto seres humanos e viscerais, deliciam-se com um sentimento tão íntimo e silencioso sendo retratado de uma maneira real. É, no mínimo, curioso visualizar de uma forma tão bonita e bem representada aquele sentimento entalado na garganta. Coisas de nós, humanos.
A partir do século XVIII as coisas mudaram (pero no mucho) nesse quesito. Mas isso é assunto para a segunda parte 🙂
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