“Design não vai salvar a vida de ninguém”
Após ler alguns* comentários desastrosos numa página de notícia, sinto que devo defender minha calejada profissão. Não que o comentário de leigos não dê uma pontada no coração, mas o que me incomoda realmente é o argumento base que vetou o projeto de lei nº 24, de 2013 (nº 1.391/11 na Câmara dos Deputados), que dispõe sobre a regulamentação do exercício profissional de design:
(…) Constituição, em seu art. 5º, inciso XIII, assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, cabendo a imposição de restrições apenas quando houver a possibilidade de ocorrer dano à sociedade.
Antes de tudo, é de bom tom deixar claro que não pretendo entrar em méritos de partidarismo ideológico frente ao assunto polêmico que é ser a favor ou não da regulamentação do designer. Não. O que contra argumento aqui é a velha ideia de que “o design não vai salvar a vida de ninguém, então o que importa?”.
Pois bem.
Entendo que seja difícil perceber o valor de uma profissão que mal tem 100 anos. O design nasceu moderno, feito para o mundo industrializado pós Revolução das Máquinas. É uma disciplina tão complexa que os próprios designers não chegaram a um consenso que explique definitivamente o que é design. De uma maneira superficial, posso dizer que design é trabalhar com símbolos e signos que ecoam na sociedade desde tempos remotos a fim de elaborar projetos (viu como é difícil?). Posso dizer que design é moldar o conceito e dar forma à pesquisa. A transposição da ideia em um formato físico e visual tem um enorme e complicado pulo do gato. Esta complexidade do ato de se fazer e de se explicar o que é design contribui para uma má interpretação do ramo, que fica entre o desenhista, o arquiteto, o qualquer-coisa-com-artes. No Brasil mal sabe-se escrever a palavra desing (sic), imagine então entendê-lo como campo de pesquisa.
Exatamente por isso é complicado comparar o design com profissões milenares e de fácil compreensão como medicina. É uma comparação anacrônica e desonesta, porque não se pesam parâmetros semelhantes. Talvez seja mais justa a equivalência com os tropeços dos jornalistas e fotógrafos, que possuem, cada um a sua maneira, suas próprias pedras no caminho. Mesmo assim, são comparações que só servem até certo ponto — ponto este que marca o começo das diferenças entre os campos comparados.
Penso também que grande parte dessa desvalorização do design vem de um funcionalismo safado, que atribui valor num juízo extremo. Quem julga o design inútil porque não salva vidas recai num questionamento banal: o mundo é feito só e exclusivamente por atributos ligados à vida ou à morte? De certo que não. O mundo é feito de coisas que não são necessárias — pense em doces, iPhones, arte, ar condicionado. E mesmo assim precisamos bastante delas.
É importante ressaltar que, por mais que o design não esteja diretamente ligado a salvar vidas, ele está intrinsecamente conectado à qualidade de vida. Um bom trabalho de sinalização te poupa tempo e previne acidentes de carro. Uma boa campanha de design social ajuda a derrubar preconceitos e alertar o público. Uma boa identidade visual fala com o público certo e sedimenta negócios. Eu poderia dar milhares de exemplos, e todos os milhares de exemplos recaem na simples ideia de que o design constroi um mundo melhor e torna nossas vidas mais fáceis.
Trabalhar com design é extremamente cansativo. Somos desrespeitados pelos clientes, pelo público leigo, por outros “designers”. Ouso dizer até que um dos maiores desafios do designer atualmente seja ser visto (e pago) como o profissional que é. Infelizmente, a única solução que resta a mim e a todos companheiros de labuta é insistir — por salários melhores, por maior compreensão do ramo, por tudo.
Um dia a gente chega lá. #
* Faço aqui uma pequena seleção dos comentários mais significativos.
“No Brasil esse curso é uma piada. É hobby, não é graduação. Nunca vai ter piso nem sindicato para este tipo de curso hobby. Vai fazer PRONATEC que será melhor representado e terá salário melhor. Vai solda navio geração Y. Capinar lote.”
“Metodologia =Maconha. Projeto= CTRL+C . PESQUISA= GOOGLE”
“kkkkkkkkkkkk designer , outro dia um sujeito mim (sic) cobro 50 a hora para fazer um cartão de visita.. Achei um absurdo, fui pra casa e baixio (sic) o corel e não gastei nem 20 minutos pra fazer.”
Comentários
Os comentários estão encerrados.