A Arte Vinda Daquelas Coisas de Dentro da Garganta – Parte II

Por Isabela Fuchs

Bege, branco, pilares, mármore e granito, frontões traingulares e formas simétricas.  Pode até parecer anúncio de prédio “alto padrão” curitibano, mas são só algumas das muitas características do neoclássico. Quer dizer, muitas das preferências das classes mais ricas são bastante oriundas desse período histórico-artístico, devido ao simples fato de retomar os ideais estéticos gregos e romanos, os quais nós, ocidentais, somos apegados até hoje. O fato de algumas pessoas pirarem em caras bombados vem dessa retomada de valores do século XVIII. Aquelas casas com chafariz na entrada e pilares com cor pastel também veio dessa época. Bastante irônico o fato de que certas coisas exageradas e puramente narcisistas (seja quanto ao corpo ou aos bens materiais) da atualidade tenham a ver com o neoclassicismo. Afinal, o pensamento-mor desse movimento foi: Chega da frivolidade extrema do rococó com toda a sua frouxidão moral; vamos fazer uma arte racional, moral e intelectualizada. Discurso iluminista chato? Olha, até que não.

Ok, ok, somos pessoas mais racionais agora. Odiamos exageros e futilidades. Compreensível. Mas isso não tem nada a ver com o fato de não ser mais representado artisticamente diversos tipos de sentimentos, entre eles, claro, a tal da agonia. Afinal, do que seria a arte neoclássica sem Jacques-Louis David? Dentre alguns retratos fofinhos e vários cupidos e psique, o pintor também retratou uma mortes bastante peculiar e agoniante: A Morte de Marat.

Marat Assassinado - Jacques Louis David - 1793

Marat Assassinado – Jacques Louis David – 1793

Marat foi um revolucionário francês radical e impetuoso (bem, ele disse que para garantir a tranquilidade pública, mais duzentos e setenta mil cabeças devem rolar na época da Revolução Francesa). Foi assassinado em casa e o pintor o viu na véspera de seu falecimento. A história é um tanto tenebrosa, e Jaques-Louis David dedica o retrato de Marat à ele, de uma forma bastante pessoal. A teatralidade da morte de Marat o identifica como um personagem heróico. Apesar de morto de uma maneira muito cruel e violenta, quase não há sangue e o rosto de Marat permanece bastante calmo e sereno. Essa duplicidade de questões formam entre si um quadro bastante frio e distante.

Na mesma época, também estava em voga o Romantismo. Também foi um movimento criado por filósofos europeus, porém que desejou trazer à tona a individualidade e criatividade do artista. Logicamente, assim fica muito mais exposta a questão teatral e dramática da obra.

O Pesadelo - Henry Fusili - 1802

O Pesadelo – Henry Fusili – 1802

Com as emoções (boas ou ruins) exasperadas, e a turbulência da psique humana, obviamente que o pesadelo seria um tema representado de uma maneira bastante vívida. Henry Fuseli representou toda essa sensação de penosidade e dispneia em seu quadro “O Pesadelo”. Em uma intepretação simples, a mulher que sonha agoniada e debatendo-se entre os lençóis, está com aquele típico peso em cima de seu corpo representado por uma espécie de criatura demoníaca. Entre cortinas, surge a figura de uma cabeça de cavalo, figura que representa o pesadelo na crença e folclore sobre esse mesmo tema. A obra também é uma representação da explicação que se dava para a paralisia do sono.

E não dá para falar de romantismo juntamente com agonia sem falar de Goya. Na verdade não tem como falar de agonia na arte sem falar de romantismo. Mas enfim: Francisco de Goya é um dos pintores mais complexos da História da Arte. Suas técnicas são diversas, o seu estilo é bastante diverso e o que ele retrata em suas obras entram em debates igualmente complexos, em questões políticas, morais ou até mesmo religiosas (afinal, Goya foi o primeiro pintor de destaque a retratar pelos em pessoas, algo que as afastaria do divino e as tornaria um ser profano, longe do ideal estético artístico religioso que o antecedia).

Três de Maio de 1808 - Francisco de Goya - 1814

Três de Maio de 1808 – Francisco de Goya – 1814

    Franceses fuzilam cidadãos de Madri pelos atos de rebeldia contra a ocupação francesa na região. Essa foi uma cena real, que alguns anos depois Goya retratou com imensa teatralidade. Primeiramente, a cena tem enorme contraste, justamente para destacar a oposição entre civis desesperados e soldados prontos para matar. O homem em destaque, de camiseta branca, destaca seu papel de mártir com as mãos levantadas, implorando para que não seja morto, ao mesmo tempo em que se entrega e está pronto para receber as balas. Os corpos jogados ao chão, ignorados pela pequena multidão que preza por compaixão, tanto que as mãos deles estão em prece e foram pintadas de uma maneira mais realista que o restante da obra. É então um retrato agoniante de um fato histórico ainda mais aterrorizante.

O terror, além da óbvia agonia, é mitológico, sensorial e sobrenatural. Ambas sensações andam juntas: a agonia aterrorizante e o terror agoniante. Ambos secam a garganta e dilatam as pupilas e também são representados artisticamente com vigor semelhante. Na arte moderna, período em que grande parte das licenças já foram tomadas e os tabus agora são desmistificados, a agonia é uma convidada de honra. Assunto para semana que vem.

Isabela Fuchs

Isabela Fuchs

Estudante de Design na UTFPR. Apaixonada por História da Arte, mas também nutro paixões paralelas como Design Editorial, Design de Embalagens e Tipografia.

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